blair29_DAN CHUNGAFP via Getty Images_goodfridayagreement1 Dan Chung/AFP via Getty Images

Lições a tirar da paz na Irlanda do Norte

LONDRES – Há vinte e cinco anos, eu, juntamente com o primeiro-ministro irlandês, Bertie Ahern, o presidente dos Estados Unidos, Bill Clinton, e os líderes dos quatro principais partidos políticos da Irlanda do Norte, apresentámos o que ficou conhecido como o Acordo de Sexta-Feira Santa (GFA). Esse acordo resolveu um conflito que causou milhares de mortes, sofrimento e destruição incalculáveis durante décadas, possivelmente durante séculos.

A paz, tal como as instituições políticas que o GFA originou, era imperfeita e frágil, e continua a sê-lo. Mas comparemos a atual Irlanda do Norte com a que existia há um quarto de século e podemos legitimamente chamar de transformação ao que foi alcançado. A paz manteve-se, a economia duplicou de tamanho e Belfast, uma cidade que costumava estar vestida de arame farpado e coberta por patrulhas militares, é hoje uma próspera cidade europeia com um setor tecnológico florescente e uma vida noturna animada.

Portanto, temos motivos para uma celebração cautelosa neste aniversário. É difícil pensar noutro processo de paz verdadeiramente bem-sucedido na história recente.

Muitas vezes me perguntam se há lições a tirar do GFA para a resolução de conflitos em outras partes do mundo. A realidade é que qualquer conflito é único, diferenciado por causa, duração, apoio externo e muitos outros fatores. Contudo, algumas lições são discerníveis e vale a pena identificá-las.

Primeira, a paz não consegue criar raízes se não houver um quadro acordado que seja visto por ambos os lados como conceptualmente justo. No caso da Irlanda do Norte, a parte fundamental do GFA foi o chamado princípio do consentimento: aqueles que querem uma Irlanda unida têm de aceitar que o Norte permanece parte do Reino Unido enquanto a maioria assim o desejar. Esta foi uma grande concessão para os sindicalistas da Irlanda do Norte.

Em troca, os sindicalistas aceitaram o princípio de tratamento igual e justo para a comunidade nacionalista, predominantemente católica romana, sustentada por novas instituições em áreas como policiamento e justiça, e pelo reconhecimento, através da cooperação com a República da Irlanda, da aspiração nacionalista pela união da Irlanda.

Winter Sale: Save 40% on a new PS subscription
PS_Sales_Winter_1333x1000 AI

Winter Sale: Save 40% on a new PS subscription

At a time of escalating global turmoil, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided.

Subscribe to Digital or Digital Plus now to secure your discount.

Subscribe Now

Mas o processo de paz moribundo entre israelitas e palestinos, baseado na chamada solução de dois Estados, mostra que um quadro por si só é insuficiente. Segunda, um processo de paz precisa, portanto, de atenção constante por parte dos envolvidos. Um quadro acordado é apenas um começo. É o itinerário, não é o destino.

Alcançar a paz requer tempo, paciência, criatividade e determinação obstinada e incessante. Os processos de paz são isso mesmo: um processo, não um evento. Por isso, passámos longos anos – nove no total – na implementação, com muitas crises, contratempos e obstáculos pelo caminho. Qualquer uma dessas dificuldades poderia ter parado o processo se não tivéssemos persistido.

Terceira, os negociadores não podem ter medo de recorrer a ajuda externa. “Ninguém realmente entende a nossa disputa como nós”, dizem eles. Isso é verdade, mas às vezes não entender a disputa como eles é a chave para resolvê-la. As intervenções de Clinton e do senador norte-americano, George Mitchell, e a posterior visita à Irlanda do Norte e apoio ao processo por parte do presidente, George W. Bush, ocorreram em momentos que foram fundamentais para assegurar estruturas de apoio financeiro e político. A União Europeia também estava sempre à procura de formas para ajudar, e a flexibilidade da UE diante da recente turbulência relacionada com o Brexit na Irlanda do Norte é outro exemplo clássico de apoio externo que ajuda a ultrapassar a tensão interna. Portanto, não tenha medo de estranhos; aproveite-os.

É claro que isso requer uma quarta componente: liderança exemplar. A paz na Irlanda do Norte nunca teria acontecido sem ela. Os líderes tinham de estar preparados para dizer verdades incómodas aos seus partidários, receber críticas e suportar os gritos de traição. Constantemente durante o processo, houve momentos em que o que era mais fácil de fazer contradizia o que era correto fazer. Felizmente, tínhamos líderes determinados – muitas vezes com um enorme custo pessoal – em seguir o caminho certo, em vez do mais fácil.

Quinta, um processo bem-sucedido é mais provável de ocorrer se aqueles que estiverem envolvidos tiverem confiança uns nos outros. Digo sempre aos alunos que a política é pessoal; é, verdadeiramente, sobre pessoas. Uma vez que há tantas questões complicadas para resolver, porque a política de cada pessoa pode apontar em direções diferentes, ou até mesmo opostas, temos de ser capazes de ter diálogos abertos, francos e estratégicos.

Durante o processo, o seu parceiro tem um problema? Veja esse problema pela perspetiva dele. Discuta o problema. Encontrem uma solução, juntos. A amizade pode ser muito difícil de alcançar, mas a parceria não é.

Sexta, todas as partes têm de reconhecer que o conflito iria originar a mais profunda desconfiança. Chegar a um acordo não é a mesma coisa que desenvolver confiança. O primeiro é formal. O segundo é sentimental. Por isso, reconheça-o. Procurar formas de construir confiança é um investimento que se traduzirá em valiosos benefícios.

Por último, nunca desista. As pessoas são muito cínicas em relação à política, geralmente porque não veem grandes mudanças nas suas vidas diárias. Mas recue por um instante. O curso da história é como uma pintura impressionista: o que ao perto parece um borrão, revela-se ao longe.

No espaço de 25 anos, podemos ver que o GFA trouxe alterações reais e profundas. Muitas pessoas da sociedade atual beneficiam disso. Se sabem ou pensam sobre isso, não interessa. O que interessa é que foi feito.

https://prosyn.org/wFrbq0Gpt