O facto de terem sido necessários quase 50 anos para a elaboração do respectivo texto e, por fim, a concretização do processo de ratificação exigido, demonstra que há algo de muito errado no sistema de multilateralismo moderno. Independentemente dos desentendimentos de longa data sobre a forma de repartir e gerir os recursos de água doce transfronteiriços e das preferências compreensíveis por parte dos governos e profissionais do sector da água no sentido de dependerem de acordos relativos às bacias, e não de instrumentos jurídicos internacionais, estes cinquenta anos de espera podem explicar-se apenas pela falta de liderança política. Assim, embora o mundo possa celebrar a tão esperada adopção da convenção, não podemos descansar sobre os louros.
Cerca de 60% de toda a água doce corre em bacias transfronteiriças; contudo, apenas cerca de 40% dessas bacias são geridas por acordos relativos a bacias. Num mundo onde a escassez de água é cada vez maior, os recursos hídricos compartilhados estão a tornar-se um instrumento de poder, incentivando a concorrência, tanto a nível nacional como entre os países. A luta pela água está a contribuir para o aumento das tensões políticas e o agravamento dos impactes nos ecossistemas.
Porém, a verdadeira má notícia é que o consumo de água está a aumentar a um ritmo mais rápido do que a população. Com efeito, o aumento verificado no século XX foi duas vezes superior. Por conseguinte, de acordo com a previsão de várias agências da ONU, em 2025, 1,8 mil milhões de pessoas viverão em regiões afectadas por uma extrema escassez de água, o que implica a falta de acesso a quantidades adequadas de água para utilização humana e ambiental. Além disso, dois terços da população mundial enfrentarão situações de escassez de água, ou seja, escassez de água doce renovável.
Se não forem tomadas medidas mais resolutas de combate a esta situação, a procura de água irá exceder os limites da capacidade de adaptação de muitas sociedades. Tal situação poderia conduzir a migrações maciças, à estagnação económica, à desestabilização e à violência, constituindo uma nova ameaça à segurança nacional e internacional.
A Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água não deve tornar-se apenas mais um acordo internacional ignorado e posto na gaveta. A fasquia é demasiado alta. No actual contexto em matéria de alterações climáticas, de aumento da procura, de crescimento demográfico, de aumento da poluição e de sobreexploração dos recursos, devem ser envidados todos os esforços no sentido de consolidar o quadro jurídico para a gestão das bacias hidrográficas do mundo. A segurança ambiental, o desenvolvimento económico e a estabilidade política de todos nós estão directamente dependentes dessa medida.
Access every new PS commentary, our entire On Point suite of subscriber-exclusive content – including Longer Reads, Insider Interviews, Big Picture/Big Question, and Say More – and the full PS archive.
Subscribe Now
A convenção será dentro em breve aplicável a todos os rios transfronteiriços dos territórios dos respectivos signatários, e não apenas às bacias de maior dimensão. Contribuirá para colmatar as lacunas e as insuficiências dos acordos existentes e fornecer uma cobertura legal aos numerosos rios transfronteiriços que estão sujeitos a uma pressão crescente.
A nível mundial, existem 276 bacias de água doce transfronteiriças e um número semelhante de aquíferos transfronteiriços. A convenção poderá ajudar a dar resposta aos desafios que todos enfrentamos no que respeita à água, se beneficiar de apoio em termos de financiamento adequado, vontade política e compromisso das partes interessadas. Mas irá fazê-lo?
É importante a adopção de uma agenda ambiciosa neste momento, em que a comunidade internacional está a negociar o conteúdo dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os sucessores dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU, que chegam ao seu termo em 2015. Na Cruz Verde esperamos que as novas metas, a ser alcançadas até 2030, incluam um objectivo independente que aborde a gestão dos recursos hídricos.
Além disso, a comunidade internacional deverá chegar a acordo a breve trecho sobre um quadro relativo às alterações climáticas destinado a substituir o Protocolo de Quioto. As alterações climáticas afectam directamente o ciclo hidrológico, o que significa que todos os esforços envidados no sentido de conter as emissões de gases com efeito de estufa ajudarão a estabilizar os regimes de pluviosidade e a mitigar os fenómenos hidrológicos extremos que afectam já um grande número de regiões.
Mas a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água levanta tantas questões novas quantas as que existiam no período anterior à sua ratificação. Que significado terá, na prática, a sua implementação? De que forma irão os países aplicar os seus mandatos dentro das suas fronteiras e em relação aos vizinhos ribeirinhos? Como irão reagir os países americanos e asiáticos que ignoraram em larga medida a ratificação?
Além disso, como se relacionará esta convenção com a Convenção relativa à protecção e utilização dos cursos de água transfronteiras e dos lagos internacionais, que já está em vigor na maioria dos países da Europa e da Ásia Central e que, desde Fevereiro de 2013, pretende abrir a sua adesão ao resto do mundo? De igual modo, em que medida a implementação da Convenção irá afectar os acordos regionais e locais existentes em matéria de água doce transfronteiriça?
Os países que ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água transfronteiriços deverão participar na sua implementação e intensificar mais os seus esforços a fim de proteger e utilizar de forma sustentável as suas águas transfronteiriças. Que instrumentos, nomeadamente financeiros, lhes serão disponibilizados pela convenção?
É evidente que os políticos e os diplomatas não poderão, por si só, responder de forma eficaz aos desafios que o mundo enfrenta. É necessária a participação dos líderes políticos, das empresas e da sociedade civil, sem a qual será impossível a implementação efectiva da Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água.
Este aspecto que é frequentemente negligenciado constitui, porém, a chave para o êxito a longo prazo da cooperação que gera benefícios para todos. A participação inclusiva das partes interessadas (incluindo as comunidades afectadas) e o desenvolvimento da capacidade de identificar, valorizar e partilhar os benefícios dos recursos hídricos transfronteiriços devem ser parte integrante de qualquer estratégia destinada a alcançar uma colaboração multilateral eficaz.
To have unlimited access to our content including in-depth commentaries, book reviews, exclusive interviews, PS OnPoint and PS The Big Picture, please subscribe
Not only did Donald Trump win last week’s US presidential election decisively – winning some three million more votes than his opponent, Vice President Kamala Harris – but the Republican Party he now controls gained majorities in both houses on Congress. Given the far-reaching implications of this result – for both US democracy and global stability – understanding how it came about is essential.
By voting for Republican candidates, working-class voters effectively get to have their cake and eat it, expressing conservative moral preferences while relying on Democrats to fight for their basic economic security. The best strategy for Democrats now will be to permit voters to face the consequences of their choice.
urges the party to adopt a long-term strategy aimed at discrediting the MAGA ideology once and for all.
MOSCOVO – Em Maio, o Vietname tornou-se o 35.º e decisivo signatário da Convenção das Nações Unidas de 1997 sobre o direito relativo aos fins não-navegáveis dos cursos de água internacionais. Em resultado deste facto, a convenção entrará em vigor 90 dias mais tarde, ou seja, em 17 de Agosto.
O facto de terem sido necessários quase 50 anos para a elaboração do respectivo texto e, por fim, a concretização do processo de ratificação exigido, demonstra que há algo de muito errado no sistema de multilateralismo moderno. Independentemente dos desentendimentos de longa data sobre a forma de repartir e gerir os recursos de água doce transfronteiriços e das preferências compreensíveis por parte dos governos e profissionais do sector da água no sentido de dependerem de acordos relativos às bacias, e não de instrumentos jurídicos internacionais, estes cinquenta anos de espera podem explicar-se apenas pela falta de liderança política. Assim, embora o mundo possa celebrar a tão esperada adopção da convenção, não podemos descansar sobre os louros.
Cerca de 60% de toda a água doce corre em bacias transfronteiriças; contudo, apenas cerca de 40% dessas bacias são geridas por acordos relativos a bacias. Num mundo onde a escassez de água é cada vez maior, os recursos hídricos compartilhados estão a tornar-se um instrumento de poder, incentivando a concorrência, tanto a nível nacional como entre os países. A luta pela água está a contribuir para o aumento das tensões políticas e o agravamento dos impactes nos ecossistemas.
Porém, a verdadeira má notícia é que o consumo de água está a aumentar a um ritmo mais rápido do que a população. Com efeito, o aumento verificado no século XX foi duas vezes superior. Por conseguinte, de acordo com a previsão de várias agências da ONU, em 2025, 1,8 mil milhões de pessoas viverão em regiões afectadas por uma extrema escassez de água, o que implica a falta de acesso a quantidades adequadas de água para utilização humana e ambiental. Além disso, dois terços da população mundial enfrentarão situações de escassez de água, ou seja, escassez de água doce renovável.
Se não forem tomadas medidas mais resolutas de combate a esta situação, a procura de água irá exceder os limites da capacidade de adaptação de muitas sociedades. Tal situação poderia conduzir a migrações maciças, à estagnação económica, à desestabilização e à violência, constituindo uma nova ameaça à segurança nacional e internacional.
A Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água não deve tornar-se apenas mais um acordo internacional ignorado e posto na gaveta. A fasquia é demasiado alta. No actual contexto em matéria de alterações climáticas, de aumento da procura, de crescimento demográfico, de aumento da poluição e de sobreexploração dos recursos, devem ser envidados todos os esforços no sentido de consolidar o quadro jurídico para a gestão das bacias hidrográficas do mundo. A segurança ambiental, o desenvolvimento económico e a estabilidade política de todos nós estão directamente dependentes dessa medida.
Introductory Offer: Save 30% on PS Digital
Access every new PS commentary, our entire On Point suite of subscriber-exclusive content – including Longer Reads, Insider Interviews, Big Picture/Big Question, and Say More – and the full PS archive.
Subscribe Now
A convenção será dentro em breve aplicável a todos os rios transfronteiriços dos territórios dos respectivos signatários, e não apenas às bacias de maior dimensão. Contribuirá para colmatar as lacunas e as insuficiências dos acordos existentes e fornecer uma cobertura legal aos numerosos rios transfronteiriços que estão sujeitos a uma pressão crescente.
A nível mundial, existem 276 bacias de água doce transfronteiriças e um número semelhante de aquíferos transfronteiriços. A convenção poderá ajudar a dar resposta aos desafios que todos enfrentamos no que respeita à água, se beneficiar de apoio em termos de financiamento adequado, vontade política e compromisso das partes interessadas. Mas irá fazê-lo?
É importante a adopção de uma agenda ambiciosa neste momento, em que a comunidade internacional está a negociar o conteúdo dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), os sucessores dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio da ONU, que chegam ao seu termo em 2015. Na Cruz Verde esperamos que as novas metas, a ser alcançadas até 2030, incluam um objectivo independente que aborde a gestão dos recursos hídricos.
Além disso, a comunidade internacional deverá chegar a acordo a breve trecho sobre um quadro relativo às alterações climáticas destinado a substituir o Protocolo de Quioto. As alterações climáticas afectam directamente o ciclo hidrológico, o que significa que todos os esforços envidados no sentido de conter as emissões de gases com efeito de estufa ajudarão a estabilizar os regimes de pluviosidade e a mitigar os fenómenos hidrológicos extremos que afectam já um grande número de regiões.
Mas a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água levanta tantas questões novas quantas as que existiam no período anterior à sua ratificação. Que significado terá, na prática, a sua implementação? De que forma irão os países aplicar os seus mandatos dentro das suas fronteiras e em relação aos vizinhos ribeirinhos? Como irão reagir os países americanos e asiáticos que ignoraram em larga medida a ratificação?
Além disso, como se relacionará esta convenção com a Convenção relativa à protecção e utilização dos cursos de água transfronteiras e dos lagos internacionais, que já está em vigor na maioria dos países da Europa e da Ásia Central e que, desde Fevereiro de 2013, pretende abrir a sua adesão ao resto do mundo? De igual modo, em que medida a implementação da Convenção irá afectar os acordos regionais e locais existentes em matéria de água doce transfronteiriça?
Os países que ratificaram a Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água transfronteiriços deverão participar na sua implementação e intensificar mais os seus esforços a fim de proteger e utilizar de forma sustentável as suas águas transfronteiriças. Que instrumentos, nomeadamente financeiros, lhes serão disponibilizados pela convenção?
Existem vários instrumentos jurídicos que podem ser implementados conjuntamente e em sinergia, nomeadamente a Convenção de Ramsar sobre as zonas húmidas, a Convenção das Nações Unidas de combate à desertificação e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as alterações climáticas, entre outros. A tão aguardada adopção da Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água devia ser considerada como uma oportunidade para os Estados signatários incentivarem aqueles que ainda não são parte em acordos de cooperação no sentido de se empenharem seriamente no que diz respeito a estas questões.
É evidente que os políticos e os diplomatas não poderão, por si só, responder de forma eficaz aos desafios que o mundo enfrenta. É necessária a participação dos líderes políticos, das empresas e da sociedade civil, sem a qual será impossível a implementação efectiva da Convenção das Nações Unidas sobre os cursos de água.
Este aspecto que é frequentemente negligenciado constitui, porém, a chave para o êxito a longo prazo da cooperação que gera benefícios para todos. A participação inclusiva das partes interessadas (incluindo as comunidades afectadas) e o desenvolvimento da capacidade de identificar, valorizar e partilhar os benefícios dos recursos hídricos transfronteiriços devem ser parte integrante de qualquer estratégia destinada a alcançar uma colaboração multilateral eficaz.
Tradução. Teresa Bettencourt