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Lições do ChatGPT para o desenvolvimento econômico

CAMBRIDGE - Alerta de spoiler: não vou falar sobre como o ChatGPT responde quando solicitado sobre estratégias de desenvolvimento econômico. Basicamente, ele regurgita ideias razoáveis, mas medíocres, que viu no seu material de treinamento. Mas o design do ChatGPT, que deu a ele capacidades muito maiores do que seus criadores previram, oferece uma lição valiosa para enfrentar as complexidades do desenvolvimento econômico.

Por mais de uma década, as redes neurais profundas (RNPs) superaram todas as outras tecnologias de inteligência artificial, impulsionando avanços significativos em visão computacional, reconhecimento de fala e tradução. O surgimento de chatbots de IA gerativos como o ChatGPT continua esta tendência.

Para aprender, os algoritmos de IA requerem formação, que pode ser alcançada por meio de duas abordagens principais: aprendizado supervisionado e não-supervisionado. No aprendizado supervisionado, os seres humanos fornecem ao computador um conjunto de imagens rotuladas como “cão”, “gato”, “hambúrguer”, “carro” e assim por diante. O algoritmo é então testado para ver quão bem prevê os rótulos associados a imagens que ele ainda não viu.

O problema com a abordagem supervisionada é que ela exige que os seres humanos passem pelo tedioso processo de rotular manualmente cada imagem. Por outro lado, o aprendizado sem supervisão independe de dados rotulados. Contudo, a ausência de rótulos levanta a questão do que o algoritmo deve aprender. Para resolver isso, o ChatGPT treina o algoritmo simplesmente para prever a próxima palavra do texto usado para treiná-lo.

Prever a próxima palavra pode parecer uma tarefa trivial, semelhante à função de preenchimento automático na pesquisa do Google. Mas o modelo do ChatGPT permite a ele executar tarefas de alta complexidade, como passar na prova da OAB americana com uma pontuação melhor que a maioria dos estudantes de direito com desempenho excelente.

A chave para tais feitos reside no poder impressionante deste processo de aprendizado simples. Para prever a próxima palavra, o algoritmo é forçado a desenvolver uma compreensão diferenciada do contexto, gramática, sintaxe, estilo e muito mais. O nível de sofisticação que alcançou surpreendeu a todos, incluindo seus designers. As RNPs se mostraram capazes de funcionar muito melhor sem tentar incorporar aos modelos de aprendizagem de línguas as teorias que os linguistas desenvolveram durante décadas.

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A lição para o desenvolvimento econômico é que os decisores políticos devem se concentrar numa tarefa que pode parecer mundana, desde que, para se destacar, sejam indiretamente forçados a aprender desafios de desenvolvimento muito mais complexos.

Em contrapartida, a abordagem predominante no campo da economia do desenvolvimento tem sido distinguir entre causas próximas e determinantes mais profundos do crescimento e em focar nestes últimos. Essa abordagem é o equivalente a dizer “em vez de tentar prever a próxima palavra, entenda o contexto e o significado do livro inteiro”.

Em seu livro de 2012 Por Que As Nações Fracassam, por exemplo, Daron Acemoglu e James A. Robinson argumentam que as instituições, ao afetarem a estrutura de incentivos na sociedade, são o determinante final dos resultados econômicos. O economista da Universidade Brown, Oded Galor, tem usado uma abordagem diferente, enfatizando as complexas transformações demográficas e tecnológicas que tiraram a humanidade do equilíbrio malthusiano e levaram a uma maior expectativa de vida, menores taxas de fertilidade e maior investimento na educação. Juntas, essas tendências impulsionaram a participação das mulheres no mercado de trabalho e aumentaram a disponibilidade de habilidades necessárias para sustentar a adoção de tecnologia e o crescimento econômico.

Mas será que essas teorias correspondem aos fatos? Nas últimas quatro décadas, o mundo em desenvolvimento passou de fato por muitas das transformações radicais descritas por Galor. Como o falecido Médico Hans Rosling notou, as diferenças entre os países em desenvolvimento e os desenvolvidos em termos de expectativa de vida, mortalidade infantil, fertilidade, educação, matrículas universitárias, participação feminina na força de trabalho e urbanização vêm diminuindo drasticamente. Pensando como Acemoglu e Robinson, as instituições dos países em desenvolvimento não poderiam ser tão ruins se conseguiram promover avanços em tantas frentes. Pela lógica de Galor, os progressos em todas estas frentes devem explicar por que razão os países em desenvolvimento têm alcançado tanto o mundo desenvolvido em termos de renda.

Só que não o fizeram: o país mediano não está mais próximo dos níveis de rendimento dos EUA do que há quatro décadas. Como é possível que a diminuição das lacunas em educação, saúde, urbanização e empoderamento feminino não tenha conseguido reduzir também as disparidades de rendimento? Por que o avanço nos supostos determinantes mais profundos não trouxe os efeitos esperados?

Para fazer sentido desse resultado intrigante, os economistas invocam um fosso tecnológico cada vez maior. Mais que uma explicação, esta é uma necessidade matemática: se mais matéria-prima não gera mais resultados, alguma coisa deve estar tornando a matéria-prima menos eficaz.

Para explicar este resultado inesperado, é útil notar que os poucos países que conseguiram recuperar o atraso compartilham dois traços distintos: suas exportações cresceram muito mais depressa que seu PIB, e eles diversificaram suas exportações para mercadorias mais complexas.

Para conquistar este feito, estes países bem-sucedidos devem ter adotado e adaptado tecnologias melhores, ajustado o fornecimento de bens públicos e de suas instituições para apoiar as indústrias emergentes e reduzido ineficiências e custos por meio do aumento da produtividade e da capacitação dos funcionários. Nesse processo, podem ter corrigido vários outros problemas.

Uma estratégia de desenvolvimento inspirada no ChatGPT focaria num objetivo simples: melhorar a competitividade, a diversidade e a complexidade das exportações. Descobrir como fazer isso forçaria os formuladores de políticas econômicas a aprender a fazer coisas importantes, assim como prever a próxima palavra permitiu ao ChatGPT aprender contexto, gramática, sintaxe e estilo.

Como os primeiros programadores de IA desencaminhados por linguistas e suas teorias complicadas, os formuladores de políticas econômicas foram distraídos por muitos objetivos, como os 17 Objetivos De Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas. Mas a aplicação da abordagem ChatGPT ao desenvolvimento econômico poderia simplificar as coisas: tal como o modelo linguístico tenta prever só a próxima palavra, os decisores políticos poderiam tentar se concentrar em facilitar a próxima exportação, como os países bem-sucedidos parecem ter feito. Embora isso possa parecer um pequeno passo, pode levar a resultados surpreendentemente significativos.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

https://prosyn.org/g03gkbHpt