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África não consegue prosperar sem o comércio regional

WASHINGTON, DC – Apesar das narrativas ambiciosas sobre a “Ascensão de África”, o continente ainda não conseguiu alcançar a prosperidade que se verifica cada vez mais em grandes áreas da Ásia e em muitas outras partes do mundo. Para alcançar uma prosperidade genuína e inclusiva (para além do crescimento agregado do PIB), África precisa de um desempenho comercial mais forte. Nenhum país ou continente conseguiu tirar a sua população da pobreza sem esse fator. No entanto, a quota-parte de África no comércio mundial tem-se mantido, desde há muito, nos cerca de 3%.

Em vez de continuar a depender do “comércio mundial” com as economias industriais avançadas – um padrão que manteve o continente pobre e subdesenvolvido durante as últimas seis décadas – África precisa de desenvolver o seu comércio intrarregional. Podemos pensar nisto como a segunda descolonização de África. É um primeiro passo necessário para equipar o continente, de forma a envolver-se na economia mundial nos seus próprios termos. A forma como África negocia, e o que negocia, determinará se e com que rapidez consegue sair da pobreza.

A maior parte daquilo a que chamamos comércio mundial é, de facto, regional. Os continentes que prosperaram através do comércio fizeram-no negociando entre os seus países. Cerca de 70% de todo o comércio dos países europeus fica na Europa, tal como 60% de todo o comércio asiático e 40% do comércio norte-americano. Em contrapartida, apenas 13% de todo o comércio de África é intra-africano.

Além disso, os países africanos exportam principalmente matérias-primas – recursos naturais ou produtos agrícolas – para os seus parceiros comerciais na Ásia, Europa e América do Norte, dos quais importam, depois, grandes quantidades de produtos acabados e de valor acrescentado. Trata-se frequentemente de produtos mais caros e sofisticados fabricados a partir dessas mesmas matérias-primas em bruto. Exemplos disso são a gasolina refinada a partir do petróleo bruto, o chocolate a partir do cacau, as jóias a partir de diamantes e ouro em bruto e os telemóveis fabricados com cobalto e coltan.

Nas últimas décadas, o comércio mundial retirou da pobreza cerca de 1,5 mil milhões de pessoas em todo o mundo. Mas com termos de troca tão desvantajosos, não é de admirar que África tenha estado em grande parte ausente desta história.

Mas a posição de África também é complicada devido a duas outras realidades. Primeira, os países industrializados têm vindo a erguer barreiras protecionistas não só contra os produtos de valor acrescentado de África, mas também, cada vez mais, uns contra os outros. Em segundo lugar, mais de 70% do comércio mundial diz respeito às “cadeias de valor” da indústria transformadora – componentes manufacturados de produtos finais – enquanto a agricultura, com a qual África comercializa principalmente, representa menos de 10%.

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Uma vez que as negociações da Ronda de Doha da Organização Mundial do Comércio para alargar o acesso ao mercado dos produtos agrícolas africanos fracassaram, a resposta é impulsionar o comércio regional. Tendo em conta os grandes volumes de comércio informal não declarado de matérias-primas em várias sub-regiões do continente, África pode concentrar-se na criação das suas próprias cadeias de valor regionais.

Esta dinâmica necessária já está em curso. Em 2018-19, os governos africanos formaram um bloco comercial regional através da Zona de Comércio Livre Continental Africana (ZCLCA), que se baseia em instituições regionais existentes, como a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) e a Comunidade da África Oriental (CAO). Com 47 dos 55 países africanos a ratificarem o tratado da ZCLCA, o acordo estabelece o que é potencialmente a maior zona de comércio livre do mundo, abrangendo 1,3 mil milhões de pessoas.

A ZCLCA tem por objetivo eliminar as barreiras pautais entre os países africanos e criar um mercado único de bens e serviços. O Banco Mundial prevê que, se for plenamente implementada, poderá retirar 50 milhões de africanos da pobreza extrema até 2035 e aumentar os rendimentos em 9% (571 mil milhões de dólares).

Mas o caminho para a implementação passa pelo setor privado e há três obstáculos que se destacam. Primeiro, existe o receio de que a eliminação dos direitos aduaneiros venha a criar défices de receitas para os governos africanos. Segundo, a convertibilidade da moeda na ausência de uma moeda global como o dólar americano ou o euro continua a ser um desafio. Terceiro, continua a haver muitas barreiras à realização de negócios nos países africanos e entre eles.

Felizmente, o Afreximbank, o banco multilateral de financiamento do comércio do continente, interveio para colmatar o défice de rendimentos com a criação de um Fundo de Ajustamento à ZCLCA e criou um novo sistema de pagamentos para a liquidação do comércio intra-africano nas moedas locais.

Resta o problema dos ambientes empresariais hostis, marcados pela corrupção, sistemas portuários e logísticos ineficazes, regimes fiscais múltiplos, direitos de propriedade frágeis e insegurança em regiões oprimidas pelo terrorismo e pelo extremismo. Para resolver estas questões, as coligações do setor privado, como a Cimeira do Setor Privado Africano e a Câmara de Comércio e Indústria Pan-Africana, têm pressionado os governos africanos a adotarem uma declaração de direitos do setor privado. Isto ajudaria a “garantir um clima de investimento previsível e favorável em África”, criando assim as condições para o crescimento do comércio intrarregional.

Só os africanos podem criar a prosperidade africana. O caminho para a riqueza no continente pode nem sempre ser fácil, mas pelo menos está claramente traçado. Passa pelo comércio regional, por uma mudança estrutural das matérias-primas em bruto para produtos de valor acrescentado e por um esforço concertado para derrubar as barreiras à atividade empresarial. 

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