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O ingrediente que faltava na competitividade europeia

LONDRES - A julgar por sua linguagem forte e dramática, o grande relatório de Mario Draghi sobre a competitividade europeia foi claramente planejado para chamar a atenção dos tomadores de decisão da UE. Em vez de tentar dourar a pílula, ele adverte que a Europa está ficando cada vez mais atrás dos Estados Unidos. A Europa não só perdeu a revolução digital, mas também está prestes a perder a revolução da IA. Nenhuma empresa de tecnologia europeia pode rivalizar com empresas como a Apple ou a Microsoft.

Além disso, Draghi observa que o crescimento da produtividade em todo o continente está ficando para trás em relação aos EUA, confrontando a União Europeia com um “desafio existencial”. Se ela não “mudar radicalmente” seus hábitos, “terá perdido sua razão de ser”. Mesmo em se tratando de alertas, esse foi um alerta alto - do tipo que alguns despertadores fazem se você ignorar seus primeiros toques educados.

As conclusões de Draghi serão música para os ouvidos do grupo cada vez menor de Brexiteers no Reino Unido, porque eles sempre venderam a esclerose europeia. Ao defenderem o “Sair”, eles argumentaram que o Reino Unido estava preso a um peso morto e precisava se libertar.

Mas Draghi não é um eurocético nem um entusiasta da subsidiariedade, e a maioria de suas recomendações exigiria “mais Europa” na forma de políticas coordenadas e um enorme estímulo ao investimento financiado com recursos públicos em nível da UE. Ele argumenta que um investimento adicional de 800 bilhões de euros (US$ 892 bilhões) é necessário com urgência para resolver o problema da produtividade e turbinar a transição para uma economia verde. Como esperado, essa proposta foi recebida com entusiasmo em Roma, aceitação cautelosa em Paris e gritos de protesto em Berlim.

Contudo, em capítulos específicos que atraíram menos atenção, Draghi também aborda a estrutura financeira e regulatória da UE. Ele acredita que a Europa é muito dependente do financiamento bancário, e claro que está certo. As novas empresas em crescimento (muito menos numerosas do que nos EUA) tendem a ser financiadas por capitalistas de risco norte-americanos, e 30% dos euro-unicórnios (startups privadas avaliadas em US$ 1 bilhão ou mais) mudaram suas sedes para o outro lado do Atlântico assim que o mercado reconheceu seu potencial.

O principal motivo para essa triste situação é que os mercados de capitais europeus continuam fragmentados. O plano para criar uma união de mercados de capitais não avançou muito desde seu lançamento em 2015 (por Jonathan Hill, então comissário do Reino Unido em Bruxelas). Parte do problema é político. Os políticos da UE, em particular os membros de esquerda do Parlamento Europeu, continuam desconfiados da securitização (um pilar fundamental do plano) porque continuam a associar o conceito à crise das hipotecas subprime dos EUA.

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De qualquer forma, Draghi dá mais um impulso à iniciativa, reconhecendo que é a única maneira de lidar com a dependência excessiva das empresas europeias em relação ao financiamento bancário. Mas ele também considera a ausência de um poderoso órgão regulador de títulos como outra grande parte do problema.

Essa ideia não é nova. Há cerca de 15 anos, Jacques de Larosière, que já foi presidente do Banco Europeu de Reconstrução e Desenvolvimento, recomendou uma Comissão Europeia de Valores Mobiliários em seu relatório pós-2008 sobre regulamentação financeira. Em vez disso, a UE criou um meio-termo na forma da Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados (European Securities and Exchange Commission - ESMA, na sigla em inglês).

Embora a ESMA faça um trabalho útil e tenha se estabelecido como parte fundamental da arquitetura financeira da UE, ela está muito aquém de ser uma contraparte europeia da SEC americana. Por exemplo, ela supervisiona de modo direto as agências de classificação de crédito e algumas outras entidades pan-europeias, mas não as bolsas de valores locais. Assim, as metodologias de levantamento de capital variam de país para país, criando uma séria desvantagem para aspirantes a empreendedores e para a maioria das empresas.

Mesmo que a campanha para criar uma agência mais poderosa não seja nova, ela tem se fortalecido nos últimos tempos. A presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, fez a mesma recomendação, e sua inclusão no relatório de Draghi a coloca firmemente na agenda da nova Comissão sob o comando de Ursula von der Leyen.

No entanto, mesmo com um apoio tão poderoso, o sucesso não está garantido. A criação de um órgão plenipotenciário com todos os poderes propostos exigiria uma mudança no tratado, e o Conselho Europeu tem evitado tais medidas desde o Tratado de Lisboa em 2009. Muitos líderes europeus temem que a revisão dos tratados fundamentais da UE possa abrir questões que eles preferem não abordar. É inevitável que alguns países se oponham à concessão de novos poderes a uma autoridade centralizada, e alguns teriam que realizar um referendo para ratificá-la, criando oportunidades para o surgimento de forças subversivas semelhantes ao Brexit. Além disso, a maioria dos referendos sobre a integração europeia fracassou na primeira vez.

No entanto, muito poderia ser alcançado sem um tratado novo ou revisado. Uma das principais recomendações de Draghi é tornar a estrutura de governança da ESMA mais parecida com a do BCE. Seu conselho é dominado por representantes dos órgãos reguladores dos estados-membros, enquanto a diretoria do BCE inclui seis pessoas que são obrigadas a agir no interesse europeu, e não no de seu país de origem.

Também é possível colocar as bolsas de valores e os sistemas de compensação europeus sob a alçada da ESMA. Mas essa não seria uma medida trivial. Será que o governo francês permitiria que a Bourse de Paris fosse supervisionada por um órgão regulador europeu, mesmo que com sede em Paris? O governo alemão é abertamente hostil à ideia de uma fusão transfronteiriça do UniCredit e do Commerzbank, embora este último esteja precisando com urgência de uma nova direção. Ele permitiria que o Deutsche Börse fosse regulamentado a partir de Paris?

Se os membros do Conselho Europeu quiserem mesmo uma união dos mercados de capitais, eles precisarão deixar de lado as considerações nacionais e engolir o orgulho. Os próximos meses nos mostrarão o quanto eles estão comprometidos em restaurar a competitividade europeia num mundo em que estão ficando cada vez mais para trás.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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