NOVA IORQUE – Quando a pandemia de COVID-19 começou em março de 2020, o Afeganistão tinha apenas 300 ventiladores e duas unidades de terapia intensiva. Os primeiros modelos epidemiológicos previam que o país, com uma população de cerca de 38 milhões de habitantes, vivenciaria um pico de até 520 mil casos e 3900 mortes por dia no início do verão. Perante uma perspetiva de dez milhões de casos numa questão de meses, os trabalhadores humanitários e as autoridades governamentais mentalizaram-se de que iriam enfrentar uma catástrofe de saúde pública.
Para ajudar os responsáveis pela tomada de decisões a perceber onde concentrar os seus recursos limitados, o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas (UNOCHA) e a Fundação Rockefeller usaram dados reais para o Afeganistão – incluindo taxas de infeção por COVID-19 e localizações de unidades de saúde – para projetar o número de casos, hospitalizações e mortes num período de quatro semanas. Esta previsão mais realista ajudou os responsáveis a prepararem-se para um pico de casos e mortes que se revelaram menos elevados e mais tardios do que outros modelos projetavam. O prognóstico exato das necessidades permite uma resposta humanitária mais eficaz.
Mas os modelos são tão bons como os dados nos quais se baseiam. E, para se preparar para a próxima crise, o mundo precisa de obter e partilhar dados melhores.
O princípio orientador por trás do nosso modelo, que desenvolvemos com o Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, era apoiar a tomada de decisões operacionais a curto prazo para proteger e salvar mais vidas durante crises humanitárias. Além do Afeganistão, usámos o modelo na República Democrática do Congo, no Iraque, na Somália, no Sudão do Sul e no Sudão. Incluímos dados relacionados com a COVID-19 ajustados para subnotificações, bem como dados sobre padrões de mobilidade, infraestruturas de saúde e vulnerabilidades subjacentes da população resultantes de insegurança alimentar ou comorbidades médicas, tais como diabetes.
A nossa experiência na criação de um modelo de estimativa e a sua utilização por responsáveis de saúde pública nesses países mostrou que esta estratégia pode conduzir a melhores resultados humanitários. Mas também foi um aviso para o facto de os desafios significativos em matéria de dados, tanto em relação às lacunas como à qualidade, limitarem a viabilidade e a precisão de tais modelos para os países mais vulneráveis do mundo. Por exemplo, os dados sobre a prevalência de doenças cardiovasculares eram de 4 a 7 anos em vários países mais pobres e não estavam disponíveis para o Sudão e o Sudão do Sul.
Na globalidade, ainda nos falta cerca de 50% dos dados necessários para dar resposta de forma eficaz nos países que enfrentam emergências humanitárias. O UNOCHA e a Fundação Rockefeller estão a cooperar para fornecer uma visão antecipada das crises, durante e após a pandemia de COVID-19. Mas concretizar todo o potencial da nossa estratégia depende das contribuições de outros.
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Assim, à medida que os governos, os bancos de desenvolvimento e as principais agências humanitárias e de desenvolvimento refletem sobre o primeiro ano da resposta à pandemia, bem como sobre as discussões nas recentes Reuniões de Primavera do Banco Mundial, eles têm de reconhecer o papel crucial que os dados desempenharão na recuperação desta crise e na prevenção de futuras. Colmatar as lacunas que existem nos dados cruciais deve ser uma prioridade para todos os atores humanitários e de desenvolvimento.
Os governos, as organizações humanitárias e os bancos regionais de desenvolvimento precisam, portanto, de investir na recolha de dados, na infraestrutura de partilha de dados e nas pessoas que gerem estes processos. Da mesma forma, estas partes interessadas têm de se tornar mais hábeis na partilha responsável dos seus dados através de plataformas de dados abertas e que mantenham padrões de interoperabilidade rigorosos.
Onde os dados não estiverem disponíveis, o setor privado deverá desenvolver novas fontes de informação através de métodos inovadores, como o uso de dados das redes sociais anonimizados ou registos de chamadas para entender os padrões de movimento da população. A partilha de dados depende, é claro, da confiança. O mundo tem de estar, portanto, atento ao recente apelo do Banco Mundial por um novo contrato social para dados com base no valor social e económico em comum, benefícios equitativos e promoção da confiança de que os dados não serão mal utilizados por aqueles que os recolhem.
O sistema humanitário mundial é altamente eficaz, mas as necessidades de hoje não têm precedentes. Estima-se que o número recorde de 235 milhões de pessoas no mundo inteiro, quase 40% a mais do que em 2020, precisarão de assistência humanitária e proteção este ano. A fome está a aumentar, a deslocação interna regista o nível mais alto em décadas, os eventos climáticos severos são mais comuns e os surtos de doenças estão a aumentar. Enquanto isso, o fosso entre as necessidades humanitárias e o financiamento disponível para fazer face a elas está a ficar maior.
Dados de elevada qualidade permitem que os governantes que enfrentam crises alinhem os recursos limitados com as maiores carências e a pandemia de COVID-19 destacou a necessidade de mais. O mundo tem de levar essa lição a sério, investindo na infraestrutura de dados e na capacidade humana necessária para se antecipar às crises, prever as necessidades futuras e acionar respostas com antecedência. A recompensa em vidas salvas será enorme.
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With a variety of larger forces driving profound changes, the outlook for the global economy was cloudy even before Donald Trump's return to the White House added to the uncertainty. But one thing is clear: the previous era of global interdependence based on efficiency and mutually beneficial arrangements is over.
considers the US administration's policy shake-up against the backdrop of larger global trends.
Donald Trump views tariffs as much more than a policy. While they
will make life materially worse for people around the world – not least
Americans – what matters to him is the spectacle of a heroic leader
demonstrating his capacity to induce shock and awe.
thinks those who question the rationality of recent US trade policy are missing the point.
NOVA IORQUE – Quando a pandemia de COVID-19 começou em março de 2020, o Afeganistão tinha apenas 300 ventiladores e duas unidades de terapia intensiva. Os primeiros modelos epidemiológicos previam que o país, com uma população de cerca de 38 milhões de habitantes, vivenciaria um pico de até 520 mil casos e 3900 mortes por dia no início do verão. Perante uma perspetiva de dez milhões de casos numa questão de meses, os trabalhadores humanitários e as autoridades governamentais mentalizaram-se de que iriam enfrentar uma catástrofe de saúde pública.
Para ajudar os responsáveis pela tomada de decisões a perceber onde concentrar os seus recursos limitados, o Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas (UNOCHA) e a Fundação Rockefeller usaram dados reais para o Afeganistão – incluindo taxas de infeção por COVID-19 e localizações de unidades de saúde – para projetar o número de casos, hospitalizações e mortes num período de quatro semanas. Esta previsão mais realista ajudou os responsáveis a prepararem-se para um pico de casos e mortes que se revelaram menos elevados e mais tardios do que outros modelos projetavam. O prognóstico exato das necessidades permite uma resposta humanitária mais eficaz.
Mas os modelos são tão bons como os dados nos quais se baseiam. E, para se preparar para a próxima crise, o mundo precisa de obter e partilhar dados melhores.
O princípio orientador por trás do nosso modelo, que desenvolvemos com o Laboratório de Física Aplicada da Universidade Johns Hopkins, era apoiar a tomada de decisões operacionais a curto prazo para proteger e salvar mais vidas durante crises humanitárias. Além do Afeganistão, usámos o modelo na República Democrática do Congo, no Iraque, na Somália, no Sudão do Sul e no Sudão. Incluímos dados relacionados com a COVID-19 ajustados para subnotificações, bem como dados sobre padrões de mobilidade, infraestruturas de saúde e vulnerabilidades subjacentes da população resultantes de insegurança alimentar ou comorbidades médicas, tais como diabetes.
A nossa experiência na criação de um modelo de estimativa e a sua utilização por responsáveis de saúde pública nesses países mostrou que esta estratégia pode conduzir a melhores resultados humanitários. Mas também foi um aviso para o facto de os desafios significativos em matéria de dados, tanto em relação às lacunas como à qualidade, limitarem a viabilidade e a precisão de tais modelos para os países mais vulneráveis do mundo. Por exemplo, os dados sobre a prevalência de doenças cardiovasculares eram de 4 a 7 anos em vários países mais pobres e não estavam disponíveis para o Sudão e o Sudão do Sul.
Na globalidade, ainda nos falta cerca de 50% dos dados necessários para dar resposta de forma eficaz nos países que enfrentam emergências humanitárias. O UNOCHA e a Fundação Rockefeller estão a cooperar para fornecer uma visão antecipada das crises, durante e após a pandemia de COVID-19. Mas concretizar todo o potencial da nossa estratégia depende das contribuições de outros.
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Os governos, as organizações humanitárias e os bancos regionais de desenvolvimento precisam, portanto, de investir na recolha de dados, na infraestrutura de partilha de dados e nas pessoas que gerem estes processos. Da mesma forma, estas partes interessadas têm de se tornar mais hábeis na partilha responsável dos seus dados através de plataformas de dados abertas e que mantenham padrões de interoperabilidade rigorosos.
Onde os dados não estiverem disponíveis, o setor privado deverá desenvolver novas fontes de informação através de métodos inovadores, como o uso de dados das redes sociais anonimizados ou registos de chamadas para entender os padrões de movimento da população. A partilha de dados depende, é claro, da confiança. O mundo tem de estar, portanto, atento ao recente apelo do Banco Mundial por um novo contrato social para dados com base no valor social e económico em comum, benefícios equitativos e promoção da confiança de que os dados não serão mal utilizados por aqueles que os recolhem.
O sistema humanitário mundial é altamente eficaz, mas as necessidades de hoje não têm precedentes. Estima-se que o número recorde de 235 milhões de pessoas no mundo inteiro, quase 40% a mais do que em 2020, precisarão de assistência humanitária e proteção este ano. A fome está a aumentar, a deslocação interna regista o nível mais alto em décadas, os eventos climáticos severos são mais comuns e os surtos de doenças estão a aumentar. Enquanto isso, o fosso entre as necessidades humanitárias e o financiamento disponível para fazer face a elas está a ficar maior.
Dados de elevada qualidade permitem que os governantes que enfrentam crises alinhem os recursos limitados com as maiores carências e a pandemia de COVID-19 destacou a necessidade de mais. O mundo tem de levar essa lição a sério, investindo na infraestrutura de dados e na capacidade humana necessária para se antecipar às crises, prever as necessidades futuras e acionar respostas com antecedência. A recompensa em vidas salvas será enorme.