Somalia daily life Mohamed Abdiwahab/Getty Images

Igualdade de género orientada por dados

NOVA IORQUE — Um ponto-chave da ordem de trabalhos da reunião anual deste ano da Assembleia Geral das Nações Unidas, a decorrer esta semana, é a avaliação a evolução geral dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), o roteiro de consenso da ONU para a solução dos maiores desafios do mundo até 2030.

Integrei a equipa da ONU que ajudou a criar os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), que antecederam os ODS. Na altura da conclusão dos ODM em 2015, estes tinham promovido alguns dos benefícios mais rápidos e mais extensos jamais registados nos domínios da saúde e do desenvolvimento a nível mundial. Os ODM prepararam o caminho para os ODS, e eu fui incentivado pelo empenho demonstrado pela comunidade mundial em relação ao apoio à agenda de desenvolvimento pós-2015.

Contudo, ficou também claro para mim e para os outros que se não houver um enfoque mais deliberado e orientado por dados, em particular sobre as necessidades das mulheres adultas e jovens, a evolução no sentido da concretização uma ampla gama de objectivos será afectada. Se não alcançarmos a igualdade de género a nível mundial, não conseguiremos assegurar a concretização de muitos outros objectivos, desde acabar com a pobreza até garantir a boa saúde.

Uma das frustrações pessoais que senti relativamente aos ODM foi o facto de a igualdade de género ser mais uma questão de retórica do que de acção. Apesar de prometerem capacitação, os ODM não foram adequadamente direccionados a muitos dos maiores desafios enfrentados pelas mulheres adultas e jovens, como a violência baseada no género e a discriminação económica. Estas lacunas persistiram, porque na década de 1990, quando estavam a ser formulados os ODM, a maioria das pessoas, incluindo eu próprio, não compreendia adequadamente a escala ou a complexidade do problema.

É necessário evitar um destino semelhante relativamente aos ODS. Alcançar a igualdade de género é mais do que uma oportunidade única numa geração; é também a melhor maneira de evoluir em quase todosos ODS e de construir um mundo onde todos podem prosperar. Tal como a Fundação Bill and Melinda Gates irá debater num encontro de líderes mundiais na próxima semana em Nova Iorque (e mostrar num novo relatório), é necessária uma acção colectiva com vista a abordar as várias dimensões das desigualdades de género e impulsionar o progresso.

Um dos maiores entraves é a falta de dados de boa qualidade sobre as questões que afectam desproporcionalmente as mulheres adultas e jovens, como os direitos fundiários, o acesso à educação, o planeamento familiar ou os cuidados de saúde. Os dados são essenciais para se compreender o que funciona bem e a forma de acompanhar a evolução. Contudo, apenas existem dados actualizados para uma pequena fracção dos indicadores que foram desenvolvidos para avaliar o progresso nos 17 ODS — incluindo os mais de 40 directamente relacionados com a igualdade de género. Dos 14 indicadores de progresso associados ao objectivo principal da igualdade de género (ODS 5), apenas três estão a ser medidos pela maioria dos países.

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De modo a contribuir para colmatar estas lacunas de importância crítica, a Fundação Bill & Melinda Gates criou uma iniciativa de três anos, orçamentada em 80 milhões de dólares e destinada a produzir dados mais fiáveis e susceptíveis de melhorar a concepção e a orientação dos programas e das intervenções políticas. Enquanto parte desse esforço, a Fundação lançou recentemente uma parceria de 10 milhões de dólares com a ONU Mulheres para ajudar os países a melhorarem a qualidade dos dados discriminados por género que recolhem. Além disso a Fundação está a apoiar também a Equal Measures 2030, uma iniciativa que visa capacitar defensores e grupos da sociedade civil com evidências fáceis de utilizar para avaliar a evolução em matéria de concretização dos objectivos e para manter os ODS para as mulheres no rumo certo.

Estes e outros esforços proporcionarão aos defensores da igualdade de género e aos decisores melhores informações sobre a natureza e a escala dos entraves sociais e económicos que impedem as mulheres adultas e jovens de avançar e ajudarão a identificar quem está a cair no esquecimento.

Sabemos, com base nos dados existentes que a capacitação das mulheres adultas e jovens pode acelerar os progressos. Por exemplo, quando as jovens prosseguem o ensino secundário (ODS 4), a probabilidade de casarem antes de atingir a maioridade é seis vezes menor. Além disso, as taxas de alfabetização mais elevadas entre as adolescentes estão associadas a taxas de natalidade reduzidas e à melhoria da saúde (ODS 3). Do mesmo modo, as mulheres têm uma tendência muito maior que os homens para investir receitas excedentárias de forma a melhorar a vida dos seus filhos.

Os benefícios da igualdade de género também se tornam evidentes quando as mulheres têm acesso a serviços financeiros básicos, como contas de crédito e poupança, o que lhes permite criar empresas e poupar dinheiro para os bens essenciais da família.

Entretanto, o colmatar da lacuna das disparidades entre géneros na agricultura poderia ter um impacto ainda mais profundo nas famílias e na produtividade dos países em desenvolvimento. Actualmente, por exemplo, as mulheres representam quase metade da mão-de-obra agrícola na África Subsariana. No entanto, trabalham geralmente com parcelas de terreno de menor dimensão e menos produtivas do que os homens e muitas vezes não têm acesso às melhores opções de sementes, fertilizantes, crédito e formação. Os estudos demonstram que a atribuição às mulheres de mais poder de decisão sobre os recursos produtivos tem o potencial de aumentar os rendimentos agrícolas em mais de 20%, o que é essencial para "erradicar a pobreza em todas as suas formas em todos os lugares" até 2030 (ODS 1).

Quando eliminamos os entraves aos membros mais vulneráveis da sociedade, os efeitos são transformadores. Mas, para que tal aconteça, é necessário que os doadores, os parceiros do desenvolvimento, os governos e o sector privado invistam em mais e melhores dados ordenados por idade e sexo. Deste modo, os programas poderão ser adaptados às necessidades das mulheres adultas e jovens em todos os lugares.

O nosso desafio — e oportunidade — consiste em eliminar os entraves profundamente enraizados, que impedem o progresso das mulheres adultas e jovens. Os ODS constituem um enorme passo em frente nessa direcção. No entanto, sem estratégias implementáveis, os objectivos não passam de boas intenções. Os ODS proporcionam o roteiro para erradicar a pobreza e criar um mundo melhor, mais saudável e mais seguro para todos. Assegurar dados de qualidade é a melhor forma de garantir que ninguém fica pelo caminho.

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