krulak5_Forrest AndersonGetty Images_USChinaflags Forrest Anderson/Getty Images

Os EUA e a China não estão destinados à guerra

BIRMINGHAM, ALABAMA – Em 2034, os Estados Unidos e a China enrolam-se numa série de conflitos militares que se intensificam e provocam um conflito nuclear táctico devastador. Outros países (nomeadamente a Rússia, o Irão e a Índia) também são envolvidos. Subitamente, o mundo fica à beira da III Guerra Mundial.

Este é o cenário descrito em 2034: uma novela sobre a próxima Guerra Mundial, uma obra cativante de ficção especulativa escrita pelo antigo comandante supremo da NATO, o almirante James Stavridis, e por Elliot Ackerman. O livro integra um coro que cada vez mais alerta para a quase inevitabilidade de confronto entre a actual potência mundial em ascensão e a potência estabelecida. Graham Allison, da Universidade de Harvard, designou este fenómeno de Armadilha de Tucídides, recordando a observação do antigo historiador grego: “Foi a ascensão de Atenas, e o medo que isso instilou em Esparta, que tornaram inevitável a guerra”.

É certo que, ao longo da história, sempre que uma potência em ascensão desafiou uma potência estabelecida o resultado foi frequentemente a guerra. Mas existem excepções dignas de nota. Uma guerra actual entre os EUA e a China não é mais inevitável do que o foi, há um século, a guerra entre uns EUA em ascensão e um Reino Unido em declínio. E, no contexto actual, existem quatro motivos convincentes para crer que a guerra entre os EUA e a China pode ser evitada.

Primeiro que tudo, qualquer conflito militar entre os dois rapidamente se tornaria nuclear. Portanto, os EUA vêem-se na mesma situação em que se encontravam relativamente à União Soviética. Taiwan poderia facilmente transformar-se no detonador deste século, assim como foi a “Passagem de Fulda” na Alemanha durante a Guerra Fria. Mas a mesma dinâmica de “garantia de destruição mútua” que limitava o conflito EUA-URSS também se aplica aos EUA e à China. E a comunidade internacional faria tudo ao seu alcance para garantir que um conflito nuclear potencial não se materializasse, já que as consequências seriam principalmente transnacionais e (ao contrário das alterações climáticas) imediatas.

Um conflito EUA-China tomaria quase seguramente a forma de uma guerra por procuração, em vez de um confronto entre grandes potências. As duas superpotências poderão apoiar facções opostas num conflito nacional em países como o Paquistão, a Venezuela, o Irão ou a Coreia do Norte, e utilizar uma combinação qualquer de instrumentos económicos, cibernéticos e diplomáticos. Já vimos muitas vezes conflitos deste tipo: do Vietname à Bósnia, os EUA defrontaram representantes, em vez dos seus inimigos principais.

Segundo, é importante recordarmos que, em termos históricos, a China joga no longo prazo. Apesar de o poderio militar chinês ter crescido de forma impressionante, ainda perde para os EUA em quase todos os indicadores importantes. E embora a China esteja a investir fortemente em meios para igualização de assimetrias (mísseis de longo alcance anti-navios e hipersónicos, aplicações militares da informática, e outros), em termos de meios convencionais, como forças aéreas e navais de grandes dimensões, não se comparará aos EUA senão daqui a décadas, se alguma vez o fizer.

PS Events: AI Action Summit 2025
AI Event Hero

PS Events: AI Action Summit 2025

Don’t miss our next event, taking place at the AI Action Summit in Paris. Register now, and watch live on February 10 as leading thinkers consider what effective AI governance demands.

Register Now

Por conseguinte, um conflito directo com os EUA seria demasiado perigoso para a China tolerar no seu estágio actual de desenvolvimento. Se esse conflito chegasse a ocorrer, a China disporia de poucas opções para além de libertar o génio nuclear da sua lâmpada. Pensando em cenários de referência, portanto, deveríamos dar menos importância a qualquer cenário em que os chineses causem de forma consciente um confronto militar com a América. Os militares dos EUA, porém, tendem a planear cenários pessimistas e estão actualmente concentrados num potencial conflito directo com a China: uma obsessão com conotações da dinâmica EUA-URSS.

Isto aumenta o risco de serem surpreendidos por outras ameaças. Em várias ocasiões desde a Guerra da Coreia, as ameaças assimétricas demonstraram ser as mais problemáticas para a segurança nacional. Desenvolver uma força que possa lidar com os cenários mais pessimistas não garante o êxito em todo o espectro de actividades bélicas.

O terceiro motivo para pensar que um conflito sino-americano pode ser evitado é que a China já está a registar vitórias no conflito diplomático global. Não obstante as acusações de que a COVID-19 terá escapado de um laboratório de virologia em Wuhan, a China emergiu da pandemia aparentando estar muito melhor que os EUA. E com a sua Nova Rota da Seda, que financia o desenvolvimento de infra-estruturas por todo o mundo, preencheu agressivamente o vazio criado pela retracção dos EUA durante os quatro anos da presidência de Donald Trump. Os líderes da China podem muito bem encarar o status quo actual e concluir que estão no rumo estratégico certo.

Por último, a China e os EUA estão profundamente entrelaçados em termos económicos. Apesar da guerra comercial de Trump, o comércio bilateral sino-americano em 2020 rondou os 650 mil milhões de dólares e a China foi o maior parceiro comercial da América. São profundas as interligações de cadeias de aprovisionamento entre os dois países, e a China detém mais de 1 bilião de dólares em títulos do Tesouro dos EUA, a maioria dos quais não pode ser facilmente convertida, sob pena de diminuir o seu valor e de registar perdas substanciais.

É bem certo que a lógica pode ser contrariada por um único acto e pelas suas consequências acidentais. Algo tão simples como uma falha de comunicação pode transformar uma guerra por procuração num conflito internacional. E como demonstraram as situações no Afeganistão e no Iraque, o historial da América em países devastados pela guerra não é encorajador. A China, entretanto, intensificou drasticamente as suas intervenções no estrangeiro. Entre a sua mentalidade expansionista, o seu crescente programa de ajuda externa e a subida do nacionalismo no país, a China poderia facilmente iniciar uma intervenção estrangeira que ameaçasse os interesses dos EUA.

A guerra cibernética, em especial, poderia anular os sistemas convencionais de comando e controlo militar, levando os dirigentes a tomar más decisões caso as opções mais tradicionais deixem de estar disponíveis. E as relações económicas sino-americanas podem deixar de importar tanto como antes, especialmente se a China abandonar um modelo de crescimento centrado nas exportações e adoptar um modelo baseado no consumo interno, e à medida que os fluxos bidireccionais de investimento forem diminuindo com a subida das tensões bilaterais.

É sempre possível um “engano” da parte de qualquer um dos países. É por isso que a diplomacia é essencial. Cada país precisa de identificar os seus interesses nacionais vitais relativamente ao outro, e ambos necessitam de considerar a mesma questão na perspectiva do outro. Por exemplo, poderá ser difícil aceitá-lo (e impopular afirmá-lo), mas os direitos cívicos da China podem não ser um interesse nacional vital para os EUA. Da mesma forma, a China deveria compreender que os EUA têm realmente interesses vitais em Taiwan.

Os EUA e a China estão destinados a confrontar-se de muitas formas. Mas uma guerra directa e entre estados não precisa de ser uma delas.

https://prosyn.org/X4tp5Uvpt