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Poderá a democracia vencer em 2024?

LONDRES – O argumento mais convincente a favor da democracia liberal é o de dar aos cidadãos o poder de escolherem os seus próprios líderes, colocando efetivamente o presente e o futuro de cada país nas mãos dos eleitores. O sistema é sustentado por um conjunto de normas, valores e instituições concebidas para proteger os direitos das minorias e evitar que a democracia se transforme numa maioria da população privilegiada e intolerante.

O Estado de direito também desempenha um papel decisivo. Quando fui governador de Hong Kong, os meus homólogos comunistas chineses não conseguiam compreender por que razão a lei se deveria aplicar aos detentores do poder e ao público em geral de forma igual. Nos países autoritários como a China, os governantes e os partidos no poder são considerados infalíveis, enquanto os cidadãos comuns são considerados incapazes de tomar as decisões corretas sobre os assuntos públicos e até sobre as suas próprias vidas.

Fundamentalmente, as democracias prosperam com liberdade de expressão e debates públicos. Ao criticar-se o governo, os meios de comunicação social podem canalizar o descontentamento popular e responsabilizar os líderes políticos, impedindo assim que os governos ignorem os interesses e as aspirações dos cidadãos. 

Em contrapartida, os ditadores não toleram as críticas. Quem vive num país autoritário e ousa criticar o governo arrisca-se a ser preso ou mesmo a perder a vida. Em Hong Kong, por exemplo, o dissidente e empresário dos meios de comunicação Jimmy Lai, cujos jornais defendiam uma maior democracia e a liberdade de expressão antes de serem encerrados pelas autoridades, está preso e é provável que passe o resto da sua vida atrás das grades.

Ao contrário dos regimes autoritários, como os da China e da Rússia, os líderes democráticos não podem depender da coerção e têm de persuadir os cidadãos de que a democracia representativa é o melhor sistema. No final deste ano eleitoral histórico, teremos uma ideia mais clara da capacidade dos partidos democráticos para convencer os eleitores de que vale a pena salvar o sistema e, consequentemente, se o século XXI será moldado por democratas ou por aspirantes a ditadores.

As recentes eleições gerais no Reino Unido oferecem uma réstia de esperança. É certo que o facto de o Partido Trabalhista do primeiro-ministro Keir Starmer ter conseguido conquistar dois terços dos lugares no Parlamento, apesar de ter ficado com apenas 33,8% dos votos, pode levantar questões sobre o seu mandato político. Mas ninguém questiona a legitimidade da esmagadora vitória do Partido Trabalhista, que pôs fim a 14 anos de uma governação conservadora (“tory”) cada vez mais impopular. O líder conservador cessante e antigo primeiro-ministro Rishi Sunakreconheceu a derrota sem contestar os resultados e desejou felicidades ao seu sucessor, como é de esperar numa democracia.

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Tendo em conta a magnitude deste terramoto político, e com a percentagem global de votos dos Conservadores a atingir o seu nível mais baixo em décadas, não é de surpreender que grande parte da atenção dos meios de comunicação social se tenha centrado no que o Partido Conservador (“the Tories”) tem de fazer para se reagrupar e reconstruir. Mas uma questão mais importante é saber se o governo de Starmer será capaz de resolver os muitos problemas económicos do Reino Unido sem enfrentar uma reação política significativa. Resta saber se o governo pode estimular o crescimento e reparar a deterioração dos serviços públicos britânicos sem aumentar os impostos ou contrair mais dívidas.

Este problema não se limita ao Reino Unido. À medida que as democracias liberais se debatem com um crescimento económico medíocre, os respetivos governos lutam para melhorar os serviços públicos e aumentar os rendimentos das famílias. Isto cria um terreno fértil para os políticos populistas ganharem apoio, prometendo soluções simplistas e fazendo dos imigrantes bodes expiatórios.

O resultado surpreendente das eleições antecipadas em França, em que o partido de extrema-direita União Nacional de Marine Le Pen ficou em terceiro lugar, atrás da coligação de esquerda Nova Frente Popular e do Ensemble centrista do presidente Emmanuel Macron, oferece motivos para um otimismo com alguma cautela. Embora a vitória chocante da esquerda possa resultar num impasse político em vez de uma coligação moderada, mostra que a democracia francesa pode ser mais resistente do que muitos supunham anteriormente.

Mas o futuro da governação democrática pode, em última análise, depender do resultado das próximas eleições presidenciais americanas. Isto é alarmante, uma vez que os dois candidatos de idade avançada dificilmente refletem o melhor que os Estados Unidos têm para oferecer. O antigo presidente Donald Trump, o presumível candidato do Partido Republicano, deixou bem claro que só aceitará os resultados das eleições se ganhar. Com o seu comportamento potencialmente criminoso a desfrutar agora da proteção de um Supremo Tribunal altamente politizado, é cada vez mais difícil considerar os EUA como um porta-bandeira do Estado de direito.

Entretanto, o desempenho desastroso do presidente Joe Biden no debate presidencial do mês passado levantou dúvidas sobre a sua sanidade mental e capacidade para derrotar Trump. Embora tenha nomeado indivíduos extremamente capazes para cargos de topo na sua administração, continua a não ser claro se o próprio Biden consegue dar conta do cargo mais exigente do mundo.

Enquanto democracias como os EUA e o Reino Unido se debatem com problemas que outrora pareciam gerir com facilidade, os autoritários – desde os governantes como o presidente chinês Xi Jinping e o presidente russo Vladimir Putin até aos comparsas ideológicos como o primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán – observam com tranquila satisfação. Se os líderes democráticos quiserem garantir que os seus países resistem ao fascínio de demagogos iliberais, terão de estar à altura dos valores que declaram e proporcionar uma governação responsável, uma prosperidade amplamente partilhada e serviços públicos de elevada qualidade.

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