NOVA YORK – Os amigos ocidentais da Ucrânia afirmam que estão protegendo o país ao defender seu direito de ingressar na OTAN. O oposto é a verdade. Ao defender um direito teórico, estão colocando em risco a segurança da Ucrânia ao aumentar a probabilidade de uma invasão russa. A independência da Ucrânia poderia ser defendida de forma muito mais eficaz ao se chegar a um acordo diplomático com a Rússia que garanta a soberania da Ucrânia como um país não pertencente à OTAN, semelhante à Áustria, Finlândia e Suécia (todos membros da União Europeia, mas não da OTAN).
Especificamente, a Rússia concordaria em retirar suas tropas do leste da Ucrânia e se desmobilizar perto da fronteira com a Ucrânia; e a OTAN renunciaria ao enlaçamento da Ucrânia, desde que a Rússia respeite a soberania da Ucrânia e que a Ucrânia respeite os interesses de segurança russos. Tal acordo é possível porque é do interesse de ambas as partes.
Certamente, aqueles que defendem a adesão da Ucrânia à OTAN consideram esse ingênuo acordo. Apontam que a Rússia invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia em 2014 e que a crise atual surgiu porque a Rússia acumulou mais de 100.000 soldados na fronteira com a Ucrânia, ameaçando uma nova invasão. O Kremlin violou, assim, os termos do Memorando de Budapeste de 1994, no qual a Rússia prometeu respeitar a independência e a soberania da Ucrânia (inclusive sobre a Crimeia) em troca da rendição da Ucrânia sobre o enorme estoque de armas nucleares que herdou após o colapso da União Soviética.
No entanto, é possível que a Rússia aceite e respeite uma Ucrânia neutra. Uma oferta em que a Ucrânia adquire esse status nunca esteve em jogo. Em 2008, os Estados Unidos propuseram que a Ucrânia (e a Geórgia) fossem convidadas a aderir à OTAN, e essa sugestão tem se destacado na região desde então. Vendo a ação dos EUA como uma provocação à Rússia, os governos da França, Alemanha e muitos outros países europeus impediram a Aliança de estender um convite imediato à Ucrânia; mas em uma declaração conjunta com a Ucrânia, os líderes da OTAN deixaram claro que a Ucrânia “se tornará um membro da OTAN”.
Do ponto de vista do Kremlin, a presença da OTAN na Ucrânia representaria uma ameaça direta à segurança da Rússia. Grande parte da política soviética foi projetada para criar um amortecedor geográfico entre a Rússia e as potências ocidentais. Desde o colapso da União Soviética, a Rússia se opôs veementemente à ampliação da OTAN para o antigo bloco soviético. Sim, o raciocínio de Putin reflete uma continuação da mentalidade da Guerra Fria; mas essa mentalidade permanece ativa em ambos os lados.
A Guerra Fria foi marcada por uma série de guerras locais e regionais por procuração para determinar se os EUA ou a União Soviética instalariam regimes favoráveis ao seu lado. Embora o campo de batalha tenha mudado ao redor do mundo – do Sudeste e da Ásia Central para a África, para o hemisfério ocidental e para o Oriente Médio – sempre foi sangrento.
At a time when democracy is under threat, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided. Subscribe now and save $50 on a new subscription.
Subscribe Now
Mas desde 1992, a maioria das guerras em busca de mudança de regime foi liderada ou apoiada pelos EUA, que passaram a se ver como a única superpotência após o colapso da União Soviética. As forças da OTAN bombardearam a Bósnia em 1995 e Belgrado em 1999, invadiram o Afeganistão em 2001 e bombardearam a Líbia em 2011. Os EUA invadiram o Iraque em 2003 e em 2014, apoiaram abertamente os protestos ucranianos que derrubaram o presidente pró-Rússia do país, Viktor Yanukovych.
É claro que a Rússia também buscou operações de mudança de regime. Em 2004, intrometeu-se na Ucrânia para ajudar Yanukovych por meio de intimidação de eleitores e fraude eleitoral. Essas ações acabaram sendo bloqueadas pelas próprias instituições da Ucrânia e por protestos em massa. A Rússia também continua a impor ou sustentar regimes amigos em sua periferia, mais recentemente no Cazaquistão e na Bielorrússia (que agora está totalmente sob o controle de Putin).
Mas a animosidade mútua e a desconfiança entre a Rússia e o Ocidente têm uma linhagem muito antiga. Ao longo de sua história, a Rússia temeu e, de fato, suportou repetidas invasões do Ocidente, enquanto europeus temiam e suportaram repetidos esforços expansionistas da Rússia no Oriente. Foi uma longa, triste e sangrenta saga.
Com estadistas de ambos os lados, essa animosidade histórica pode ter e poderia ter diminuído após o fim da União Soviética. Isso foi possível na primeira metade da década de 1990, mas a oportunidade foi desperdiçada. O início da ampliação da OTAN desempenhou um papel. Em 1998, George F. Kennan, diplomata e historiador de longa data das relações americano-soviéticas era presciente e pessimista. “Acho que [a expansão da OTAN] é o início de uma nova Guerra Fria”, disse ele. “Acho que os russos reagirão gradualmente de forma bastante adversa e isso afetará suas políticas. Acho que é um erro trágico.” William Perry, o secretário de Defesa dos EUA de 1994 a 1997, concordou e até cogitou deixar o governo do presidente Bill Clinton por causa do assunto.
Nenhum dos lados pode alegar inocência neste momento. Em vez de tentar fingir que um lado é um santo e o outro um pecador, todos deveriam se concentrar no que será necessário para alcançar a segurança de ambos os lados e do mundo em geral. A história sugere que é melhor manter as forças russas e da OTAN geograficamente separadas, em vez de se confrontarem diretamente através de uma fronteira. A insegurança europeia e global estava no auge quando as forças dos EUA e da União Soviética se enfrentaram a curta distância – em Berlim em 1961 e em Cuba em 1962. Sob essas angustiantes e ameaçadoras circunstâncias para o mundo, a construção do Muro de Berlim serviu como um estabilizador, embora profundamente trágico.
Hoje, nossa principal preocupação deveria ser a soberania e a paz na Ucrânia, na Europa e no mundo, não a presença da OTAN na Ucrânia e certamente não um novo muro. A própria Ucrânia estaria muito mais segura se a OTAN interrompesse sua expansão para o leste em troca da retirada da Rússia do leste da Ucrânia e sua desmobilização de forças ao longo da fronteira da Ucrânia. Uma diplomacia nesse sentido, apoiada pelo envolvimento da UE e das Nações Unidas, se faz urgentemente necessária.
To have unlimited access to our content including in-depth commentaries, book reviews, exclusive interviews, PS OnPoint and PS The Big Picture, please subscribe
Despite Donald Trump’s assurances that he will not seek to remove Federal Reserve Chair Jerome Powell, there is little doubt that the US president-elect aims to gain greater influence over the Fed’s decision-making. Such interference could drive up long-term interest rates, damaging the American economy.
worries about the incoming US administration’s plans to weaken the central bank’s independence.
Following the addition of new members to the BRICS, some observers believe that the group has a good chance of becoming the new lodestar of global politics and international affairs. But the organization is neither representative enough nor sufficiently united to lead others.
explains why the group of major emerging economies will not become the new fulcrum of world politics.
NOVA YORK – Os amigos ocidentais da Ucrânia afirmam que estão protegendo o país ao defender seu direito de ingressar na OTAN. O oposto é a verdade. Ao defender um direito teórico, estão colocando em risco a segurança da Ucrânia ao aumentar a probabilidade de uma invasão russa. A independência da Ucrânia poderia ser defendida de forma muito mais eficaz ao se chegar a um acordo diplomático com a Rússia que garanta a soberania da Ucrânia como um país não pertencente à OTAN, semelhante à Áustria, Finlândia e Suécia (todos membros da União Europeia, mas não da OTAN).
Especificamente, a Rússia concordaria em retirar suas tropas do leste da Ucrânia e se desmobilizar perto da fronteira com a Ucrânia; e a OTAN renunciaria ao enlaçamento da Ucrânia, desde que a Rússia respeite a soberania da Ucrânia e que a Ucrânia respeite os interesses de segurança russos. Tal acordo é possível porque é do interesse de ambas as partes.
Certamente, aqueles que defendem a adesão da Ucrânia à OTAN consideram esse ingênuo acordo. Apontam que a Rússia invadiu a Ucrânia e anexou a Crimeia em 2014 e que a crise atual surgiu porque a Rússia acumulou mais de 100.000 soldados na fronteira com a Ucrânia, ameaçando uma nova invasão. O Kremlin violou, assim, os termos do Memorando de Budapeste de 1994, no qual a Rússia prometeu respeitar a independência e a soberania da Ucrânia (inclusive sobre a Crimeia) em troca da rendição da Ucrânia sobre o enorme estoque de armas nucleares que herdou após o colapso da União Soviética.
No entanto, é possível que a Rússia aceite e respeite uma Ucrânia neutra. Uma oferta em que a Ucrânia adquire esse status nunca esteve em jogo. Em 2008, os Estados Unidos propuseram que a Ucrânia (e a Geórgia) fossem convidadas a aderir à OTAN, e essa sugestão tem se destacado na região desde então. Vendo a ação dos EUA como uma provocação à Rússia, os governos da França, Alemanha e muitos outros países europeus impediram a Aliança de estender um convite imediato à Ucrânia; mas em uma declaração conjunta com a Ucrânia, os líderes da OTAN deixaram claro que a Ucrânia “se tornará um membro da OTAN”.
Do ponto de vista do Kremlin, a presença da OTAN na Ucrânia representaria uma ameaça direta à segurança da Rússia. Grande parte da política soviética foi projetada para criar um amortecedor geográfico entre a Rússia e as potências ocidentais. Desde o colapso da União Soviética, a Rússia se opôs veementemente à ampliação da OTAN para o antigo bloco soviético. Sim, o raciocínio de Putin reflete uma continuação da mentalidade da Guerra Fria; mas essa mentalidade permanece ativa em ambos os lados.
A Guerra Fria foi marcada por uma série de guerras locais e regionais por procuração para determinar se os EUA ou a União Soviética instalariam regimes favoráveis ao seu lado. Embora o campo de batalha tenha mudado ao redor do mundo – do Sudeste e da Ásia Central para a África, para o hemisfério ocidental e para o Oriente Médio – sempre foi sangrento.
HOLIDAY SALE: PS for less than $0.7 per week
At a time when democracy is under threat, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided. Subscribe now and save $50 on a new subscription.
Subscribe Now
Mas desde 1992, a maioria das guerras em busca de mudança de regime foi liderada ou apoiada pelos EUA, que passaram a se ver como a única superpotência após o colapso da União Soviética. As forças da OTAN bombardearam a Bósnia em 1995 e Belgrado em 1999, invadiram o Afeganistão em 2001 e bombardearam a Líbia em 2011. Os EUA invadiram o Iraque em 2003 e em 2014, apoiaram abertamente os protestos ucranianos que derrubaram o presidente pró-Rússia do país, Viktor Yanukovych.
É claro que a Rússia também buscou operações de mudança de regime. Em 2004, intrometeu-se na Ucrânia para ajudar Yanukovych por meio de intimidação de eleitores e fraude eleitoral. Essas ações acabaram sendo bloqueadas pelas próprias instituições da Ucrânia e por protestos em massa. A Rússia também continua a impor ou sustentar regimes amigos em sua periferia, mais recentemente no Cazaquistão e na Bielorrússia (que agora está totalmente sob o controle de Putin).
Mas a animosidade mútua e a desconfiança entre a Rússia e o Ocidente têm uma linhagem muito antiga. Ao longo de sua história, a Rússia temeu e, de fato, suportou repetidas invasões do Ocidente, enquanto europeus temiam e suportaram repetidos esforços expansionistas da Rússia no Oriente. Foi uma longa, triste e sangrenta saga.
Com estadistas de ambos os lados, essa animosidade histórica pode ter e poderia ter diminuído após o fim da União Soviética. Isso foi possível na primeira metade da década de 1990, mas a oportunidade foi desperdiçada. O início da ampliação da OTAN desempenhou um papel. Em 1998, George F. Kennan, diplomata e historiador de longa data das relações americano-soviéticas era presciente e pessimista. “Acho que [a expansão da OTAN] é o início de uma nova Guerra Fria”, disse ele. “Acho que os russos reagirão gradualmente de forma bastante adversa e isso afetará suas políticas. Acho que é um erro trágico.” William Perry, o secretário de Defesa dos EUA de 1994 a 1997, concordou e até cogitou deixar o governo do presidente Bill Clinton por causa do assunto.
Nenhum dos lados pode alegar inocência neste momento. Em vez de tentar fingir que um lado é um santo e o outro um pecador, todos deveriam se concentrar no que será necessário para alcançar a segurança de ambos os lados e do mundo em geral. A história sugere que é melhor manter as forças russas e da OTAN geograficamente separadas, em vez de se confrontarem diretamente através de uma fronteira. A insegurança europeia e global estava no auge quando as forças dos EUA e da União Soviética se enfrentaram a curta distância – em Berlim em 1961 e em Cuba em 1962. Sob essas angustiantes e ameaçadoras circunstâncias para o mundo, a construção do Muro de Berlim serviu como um estabilizador, embora profundamente trágico.
Hoje, nossa principal preocupação deveria ser a soberania e a paz na Ucrânia, na Europa e no mundo, não a presença da OTAN na Ucrânia e certamente não um novo muro. A própria Ucrânia estaria muito mais segura se a OTAN interrompesse sua expansão para o leste em troca da retirada da Rússia do leste da Ucrânia e sua desmobilização de forças ao longo da fronteira da Ucrânia. Uma diplomacia nesse sentido, apoiada pelo envolvimento da UE e das Nações Unidas, se faz urgentemente necessária.
Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil