prendergast6_Minasse Wondimu HailuAnadolu Agency via Getty Images_aid in tigray Minasse Wondimu HailuAnadolu Agency via Getty Images

Responsabilização e assistência na Etiópia

WASHINGTON, D.C. – Agora que a guerra civil da Etiópia se converteu num conflito armado aparentemente incontrolável, os Estados Unidos têm de ponderar as suas opções para impedirem mais perdas de vidas. Os EUA já estão profundamente envolvidos nos esforços de mediação de um cessar-fogo, ao colaborarem de perto com a União Africana, a União Europeia e outras partes interessadas. Nessa diplomacia, como na maioria dos processos de paz africanos, os EUA assumiram um papel coadjuvante. Não obstante, podem assumir o comando em dois desafios críticos e vitais: na garantia da responsabilização por violações dos direitos humanos e na prevenção da utilização da fome como arma de guerra.

Todas as partes no conflito cometeram já impressionantes atrocidades em massa, e estes incidentes multiplicar-se-ão com a continuação dos combates. No início do conflito, o primeiro-ministro etíope, Abiy Ahmed, e o seu aliado, o presidente eritreu Isaias Afwerki, viram uma oportunidade para erradicar o seu inimigo comum, a Frente Popular de Libertação do Tigré (FPLT). As forças governamentais etíopes e eritreias registaram inicialmente êxitos militares, acompanhados por tácticas como violações em massa, limpeza étnica e bloqueios à assistência alimentar. Mas as ofensivas da FPLT e do seu aliado, o Exército de Libertação Oromo, rapidamente reverteram os ganhos militares do governo e, durante algum tempo, puseram a FPLT e o ELO a pouca distância da capital, Adis Abeba, provocando evacuações diplomáticas em massa.

Nestas condições, a FPLT não concordará com um cessar-fogo, sem exigir concessões que Abiy não deverá aceitar, prolongando-se a guerra. Mas as violações dos direitos humanos deverão continuar, mesmo que a FPLT e o ELO acabem por conquistar Adis Abeba. Para criar uma verdadeira responsabilização pelos crimes de guerra e para descobrir avenidas criativas para a distribuição de assistência humanitária, é necessária a liderança dos EUA.

Apesar dos grupos de defesa dos direitos deverem conservar as provas disponíveis para futuros procedimentos legais, é improvável que ocorra qualquer processo judicial até um futuro distante, sendo os seus resultados incertos. Porém, os esforços para responsabilizar financeiramente os agressores poderiam ser imediatamente intensificados.

Em Setembro e Novembro, o governo do presidente dos EUA, Joe Biden, impôs sanções específicas a importantes personalidades e entidades eritreias. Os EUA, a UE, o Reino Unido, o Canadá, a Austrália e outros países deveriam expandir a lista, de forma a incluir os responsáveis etíopes, os líderes da FPTL e outros intervenientes milicianos responsáveis pelas atrocidades. Mas é essencial que se vá além das sanções a indivíduos, e que se adoptem “sanções de rede”, que visem não apenas os líderes principais, mas também os canais físicos e jurídicos através dos quais movimentam dinheiro e os seus apoiantes e facilitadores no sistema financeiro internacional.

Seguidamente, os governos deverão colaborar com bancos globais e regionais, para excluírem as entidades sancionadas do sistema financeiro. Por outras palavras, estes governos devem usar as ferramentas normalmente associadas à pressão sobre a Coreia do Norte, o Irão ou a Rússia, em vez das sanções individuais e isoladas, raramente aplicadas, que se tornaram características da pressão financeira internacional em África.

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As entidades sancionadoras também poderiam emitir avisos sobre o combate ao branqueamento de capitais, e colaborar com bancos e reguladores nacionais para bloquear iniciativas ilegais associadas a estes responsáveis ou às suas redes. Adicionalmente, os governos dos EUA e europeus deveriam usar os seus votos em instituições financeiras internacionais para recusar empréstimos ao governo etíope.

Do mesmo modo, as estratégias de assistência humanitária necessitam urgentemente de ser reformuladas. As Nações Unidas e as ONG tentaram corajosamente ultrapassar a obstrução do governo etíope às suas operações de assistência no Tigré, mas de momento só 1% dos mais de cinco milhões de tigrés que precisam de assistência alimentar a recebem. A crise alimentar do Tigré agravou-se durante o Verão e o Outono, e ainda mais no mês passado, quando pareceu que o governo etíope conseguira fechar a torneira por onde gotejava a ajuda humanitária para a região. Se as ofensivas da FPLT não abrirem brevemente um corredor para assistência a partir do Djibuti, a intervenção humanitária não-consensual será a única opção para impedir a fome em larga escala no Tigré.

Quanto mais tempo se prolongar a guerra, mais provável será que a Etiópia se fragmente em regiões controladas por autoridades concorrentes. Será progressivamente mais difícil levar assistência a quem precisa nos locais onde a autoridade for contestada.

A Etiópia, e o Corno de África em geral, foi palco de muitas intervenções não-militares para distribuição de assistência necessária, que salvaram milhares de vidas. Durante a guerra civil do Sudão, entre o fim da década de 1980 e o início da década de 2000, operações aerotransportadas levaram assistência a áreas do sul do Sudão controladas por rebeldes e inacessíveis às agências da ONU. De igual forma, uma operação humanitária transfronteiriça do Sudão para território detido por rebeldes no Tigré e na Eritreia durou entre 1981 e 1991. Estes exemplos, juntamente com opções mais agressivas, devem ser urgentemente considerados para definir a melhor forma de distribuir assistência a zonas onde se prevê que ocorra fome generalizada nos próximos meses.

Estão em risco as vidas de milhões de etíopes. Os EUA e demais governos têm de aplicar medidas adequadas para garantir a responsabilização e de defender os esforços humanitários para ajudar os famintos.

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