fofack20_ISSOUF SANOGOAFP via Getty Images_uranium ISSOUF SANOGO/AFP via Getty Images

A maldição dos recursos do Níger ao estilo colonial

CAIRO – Desde a destituição do presidente Mohamed Bazoum, em julho, que o Níger, um Estado da África Ocidental sem litoral, se encontra numa situação difícil. Talvez a única coisa boa resultante do golpe de Estado – o último de uma série de tomadas de poder por militares no Sahel – seja o facto de ter centrado a atenção internacional no país, que até então era relativamente estável e democrático.

O interesse renovado pela situação do Níger oferece uma oportunidade para refletir sobre os principais desafios de desenvolvimento com que se confronta uma região vasta e conturbada. O principal deles é a persistência do modelo de desenvolvimento colonial de extração de recursos, que conduziu à pobreza intergeracional e à degradação ambiental – ambas alimentando a insegurança e a migração – também noutros países africanos.

O Níger encarna o paradoxo do desenvolvimento em África. Apesar da sua imensa riqueza em recursos naturais, incluindo abundantes fontes de energia renováveis e não renováveis e jazidas significativas de urânio e ouro, é um dos países mais pobres do mundo, com mais de dez milhões de pessoas (cerca de 42% da população) a viver em pobreza extrema. Quase metade das crianças do Níger não frequenta a escola, em grande parte devido às deslocações em massa e ao encerramento de escolas causados pelo aumento da violência. Não é de surpreender que o país esteja classificado em último lugar no Índice de Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, à frente apenas do Chade e do Sudão do Sul.

A crescente insurreição islâmica na região do Sahel só veio agravar a situação. De junho de 2022 a junho de 2023, mais de 22 mil africanos foram mortos em atos de violência relacionados com a Jihad, um aumento de 50% em relação ao ano anterior. Nos últimos anos, os terroristas destruíram aldeias e massacraram civis no Níger. E estes grupos têm continuado a aumentar o seu poder, apesar da proliferação de bases militares estrangeiras e estações de drones no país. Esta insegurança desenfreada, associada à estagnação do crescimento económico, à má gestão dos recursos naturais, à pobreza intergeracional e às catástrofes climáticas, sufocou a população do Níger.

Poucos dias após o golpe de Estado, o Níger foi confrontado com apagões contínuos quando a Nigéria, violando as suas obrigações enquanto membro da Autoridade da Bacia do Níger, constituída por nove países, cortou o fornecimento de eletricidade ao país vizinho. Os cortes de energia correm o risco de agravar a insegurança e a instabilidade social no Níger, que já está a enfrentar sanções económicas e financeiras draconianas impostas pela Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO). Elas incluem o congelamento dos ativos nigerinos detidos nos bancos centrais regionais e a suspensão de todas as transações comerciais entre o Níger e os membros da CEDEAO.

Há uma certa ironia no facto de a Nigéria, que sofre apagões com tanta frequência que até o seu fornecimento de energia é ridicularizado como sendo “epilético”, ter cortado o acesso do Níger à eletricidade. De facto, apesar de ser o maior produtor de petróleo do continente africano, a Nigéria é um dos países mais pobres do mundo em termos de energia per capita: os seus cidadãos consomem uma média anual de 113 quilowatts-hora de energia elétrica per capita, em comparação com uma média continental de 317 kWh. Normalmente, o país só consegue gerar cerca de quatro gigawatts por dia – muito pouco para sustentar a sua população de mais de 225 milhões de habitantes.

Winter Sale: Save 40% on a new PS subscription
PS_Sales_Winter_1333x1000 AI

Winter Sale: Save 40% on a new PS subscription

At a time of escalating global turmoil, there is an urgent need for incisive, informed analysis of the issues and questions driving the news – just what PS has always provided.

Subscribe to Digital or Digital Plus now to secure your discount.

Subscribe Now

Embora cerca de 60% dos nigerianos tenham acesso à eletricidade, só menos de 20% dos nigerinos o têm (esta percentagem desce para 9,1% nas zonas rurais). Além disso, o Níger consome anualmente uns míseros 51 kWh de energia elétrica per capita. No entanto, o país é um dos maiores produtores mundiais de urânio, que é essencial para a produção de energia nuclear na Europa.

As jazidas de urânio do Níger serviram especialmente bem a França, o seu antigo soberano colonial, alimentando um terço das lâmpadas do país, segundo a Oxfam. Cerca de 70% da eletricidade francesa provém da energia nuclear, o que permitiu aos cidadãos franceses consumirem mais de 6950 kWh de energia elétrica per capita por ano – uma das taxas mais elevadas do mundo. Aproximadamente 20% das importações totais de urânio de França vieram do Níger entre 2012 e 2022, enquanto o país é responsável por um quinto das importações totais de urânio da União Europeia.

As multinacionais francesas têm lucrado imenso com o urânio do Níger ao longo dos anos. De acordo com a Oxfam, em 2010, duas subsidiárias do grupo nuclear estatal Areva (agora parte da Orano) extraíram 114 346 toneladas métricas de urânio no Níger, com um valor de exportação superior a 3,5 mil milhões de euros (3,7 mil milhões de dólares), dos quais apenas 13% (cerca de 459 milhões de euros) foram pagos ao Níger. E embora o Níger não tenha conseguido obter maiores benefícios financeiros das empresas multinacionais para a exploração das suas jazidas de urânio, as crescentes despesas militares para combater a ameaça islamista e as restrições à mobilização de receitas internas deixaram-no dependente da ajuda externa, que representa 40% do seu orçamento.

Além disso, a própria extração tem causado danos significativos ao ambiente e à saúde dos seus cidadãos. Em 2010, uma investigação da Greenpeace revelou níveis perigosos de radiação entre os nigerinos que trabalhavam no setor mineiro, alguns dos quais sofriam de doenças inexplicáveis de pele, fígado, rins e pulmões. No início deste ano, a Comissão Independente de Investigação e Informação sobre Radioatividade descobriu que 20 milhões de toneladas de resíduos não cobertos de uma mina de urânio recentemente esgotada estavam a espalhar rádon, um gás radioativo, pelo ar e ameaçavam contaminar as reservas de água potável.

Os recursos naturais que deveriam contribuir para melhorar o bem-estar da população não corresponderam às expectativas. Pior ainda, na ausência de adição de valor que permita uma integração efetiva nas cadeias de valor globais, a persistência do modelo de desenvolvimento colonial fez com que a dotação de recursos de África continuasse a ser uma bênção apenas para os antigos governantes que os extraíam e uma maldição para o país de onde são extraídos, produzindo apenas pobreza e poluição duradouras, em vez de benefícios tangíveis, para as populações locais.

O capitão do Exército, Ibrahim Traoré, o jovem líder do Burkina Faso que tomou o poder através de um golpe militar no ano passado, lamentou o subdesenvolvimento de África ao discursar na Cimeira Rússia-África em São Petersburgo, em julho. “A questão que a minha geração coloca a si mesma, se é que a posso resumir, é como é que África, com tantos recursos debaixo do nosso solo, com uma abundância natural de sol e água, continua a ser ainda hoje o continente mais pobre?” Perguntou Traoré.

Este sentimento ajuda a explicar a razão pela qual os nigerinos aplaudiram as tropas após a expulsão de Bazoum. A primeira sondagem de opinião pós-golpe indicou 78% de apoio às ações dos militares, com 73% dos inquiridos a dizerem que os líderes do golpe deveriam permanecer no poder por um período prolongado ou até à realização de novas eleições. Como estes números sugerem, a não ser que os países alarguem os ganhos distributivos da exploração dos recursos naturais, minimizando simultaneamente as externalidades negativas, a democracia no continente – na verdade, a estabilidade política básica – permanecerá frágil.

https://prosyn.org/lVre6R3pt