PEQUIM – Nos últimos meses, a capacidade excessiva da China tem sido um tópico importante de discussão – e uma fonte de controvérsia – entre economistas e formuladores de políticas do mundo todo. Embora essas preocupações não sejam totalmente infundadas, elas são exageradas e solucionáveis.
Nas últimas quatro décadas, à medida que a China passou de uma economia planejada caracterizada por escassez para uma economia de mercado oscilando entre demanda agregada insuficiente e superaquecimento, com frequência seu governo procurou eliminar a sobrecapacidade sempre que surgia. Em 2003, por exemplo, uma repressão à capacidade excessiva na indústria siderúrgica levou ao fechamento de muitas siderúrgicas.
Após a crise financeira global de 2008, as exportações da China despencaram, levando a uma desaceleração econômica significativa. No primeiro trimestre de 2009, o PIB chinês cresceu apenas 6,1%, a taxa mais baixa em mais de uma década. Para conter esse choque, o governo chinês introduziu um plano de estímulo de CN¥ 4 trilhões (US$ 560 bilhões). Impulsionada por investimentos maciços – o investimento em ativos fixos cresceu 30,1% em 2009 e 23,8% em 2010 (ano a ano) –, a economia chinesa se recuperou de modo acentuado, alcançando um crescimento de 10,6% em 2010.
Embora a demanda agregada também tenha crescido depressa, a oferta agregada não conseguiu acompanhar, pois leva tempo para que novos investimentos se traduzam em aumento da capacidade de produção. (A duração do atraso depende do tipo de investimento.) Esse descompasso contribuiu para um aumento da inflação, com o índice de preços ao consumidor (IPC) subindo 3% em 2010.
Quando o crescimento do IPC atingiu o pico de 5,4% em março de 2011, o governo chinês anunciou que sua principal prioridade política para o ano seria conter a inflação. E de fato o fez: de 2009 a 2011, a relação déficit orçamentário-PIB da China caiu de 2,8% para 1,1%, e o crédito novo diminuiu de CN¥ 9,6 trilhões para CN¥ 7,5 trilhões.
Mas a capacidade de produção associada aos investimentos passados já estava se formando, se não se tornando operacional. Consequentemente, à medida que o aperto fiscal e monetário reduziu a demanda agregada, um novo descompasso emergiu, e a capacidade excessiva aumentou em muitos setores, incluindo aço, automóveis, cimento, alumínio eletrolítico, pesticidas, fotovoltaicos e vidro.
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A essa altura, o crescimento do IPC havia caído abaixo de 3% e o índice de preços ao produtor estava em território negativo. Nessas circunstâncias, a resposta típica ao aumento da capacidade excessiva seria retornar à expansão fiscal e monetária para estimular a economia. Em vez disso, o governo chinês decidiu continuar apertando. Como resultado, o crescimento do PIB caiu para 7,7% em 2012 e tem diminuído continuamente desde então.
Com o benefício da retrospectiva, parece totalmente possível que as pressões inflacionárias diminuíssem mais tarde, mesmo que o governo não tivesse perseguido o aperto fiscal e monetário em 2011, devido à formação gradual de novas capacidades de produção. Se os formuladores de políticas tivessem perseguido uma expansão fiscal e monetária moderada enquanto incentivavam o mercado a desempenhar um papel decisivo na eliminação da capacidade excessiva setorial em 2012, a China poderia muito bem ter alcançado taxas de crescimento do PIB mais altas nos anos seguintes.
Não podemos mudar o passado, mas podemos aprender com suas lições para alcançar um futuro melhor. No caso da China, isso significa implementar uma política fiscal e monetária mais expansionista hoje. Isso ajudaria a reduzir a “capacidade excessiva” no nível macroeconômico, que é equivalente à “falta de demanda efetiva”, ao mesmo tempo em que criaria mais espaço para eliminar a capacidade excessiva no nível setorial – um processo no qual o governo chinês deve permitir que o mercado desempenhe um papel decisivo.
Tudo isso ajudaria muito a melhorar o balanço comercial da China. Embora não haja justificativa para que os países introduzam políticas comerciais protecionistas em nome da “segurança nacional” – como os Estados Unidos, por exemplo, têm feito –, a China deve garantir adesão a todas as regras da Organização Mundial do Comércio.
Nesse sentido, a Terceira Sessão Plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China, realizada no início deste mês, foi encorajadora. Conforme observado no comunicado da reunião, a China planeja “aumentar (sua) capacidade de abertura” de sua própria economia para o mundo exterior; fomentar “novos motores de comércio exterior”; e desenvolver, por meio da cooperação ampliada com outros países, “novas instituições” para apoiar uma economia global aberta. Desde que todas as partes estejam comprometidas com um engajamento mutuamente benéfico – e mutuamente respeitoso –, nenhuma disputa comercial é irredutível.
Tradução por Fabrício Calado Moreira
Yu Yongding, ex-presidente da Sociedade Chinesa de Economia Mundial e diretor do Instituto de Economia Mundial e Política da Academia Chinesa de Ciências Sociais, atuou no Comitê de Política Monetária do Banco Popular da China de 2004 a 2006.
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If vindicated, DeepSeek’s technology could be to large language models what Nikola Tesla’s breakthroughs with alternating current were to electrification. While it cannot overcome the unavoidable limitations of backward-looking statistical models, it could make their price performance good enough for wider use.
explains what a purported Chinese AI breakthrough does and does not mean for the industry.
Germany became a European powerhouse partly because, in the early 2000s, its industrial sectors took over the highest-valued-added segments of global supply chains. Replicating this success today would require Germany to move to the forefront of the digital transformation, and it cannot do that without the EU.
thinks the country’s prospects depend significantly on closing the digital-technology gap with the US and China.
PEQUIM – Nos últimos meses, a capacidade excessiva da China tem sido um tópico importante de discussão – e uma fonte de controvérsia – entre economistas e formuladores de políticas do mundo todo. Embora essas preocupações não sejam totalmente infundadas, elas são exageradas e solucionáveis.
Nas últimas quatro décadas, à medida que a China passou de uma economia planejada caracterizada por escassez para uma economia de mercado oscilando entre demanda agregada insuficiente e superaquecimento, com frequência seu governo procurou eliminar a sobrecapacidade sempre que surgia. Em 2003, por exemplo, uma repressão à capacidade excessiva na indústria siderúrgica levou ao fechamento de muitas siderúrgicas.
Após a crise financeira global de 2008, as exportações da China despencaram, levando a uma desaceleração econômica significativa. No primeiro trimestre de 2009, o PIB chinês cresceu apenas 6,1%, a taxa mais baixa em mais de uma década. Para conter esse choque, o governo chinês introduziu um plano de estímulo de CN¥ 4 trilhões (US$ 560 bilhões). Impulsionada por investimentos maciços – o investimento em ativos fixos cresceu 30,1% em 2009 e 23,8% em 2010 (ano a ano) –, a economia chinesa se recuperou de modo acentuado, alcançando um crescimento de 10,6% em 2010.
Embora a demanda agregada também tenha crescido depressa, a oferta agregada não conseguiu acompanhar, pois leva tempo para que novos investimentos se traduzam em aumento da capacidade de produção. (A duração do atraso depende do tipo de investimento.) Esse descompasso contribuiu para um aumento da inflação, com o índice de preços ao consumidor (IPC) subindo 3% em 2010.
Quando o crescimento do IPC atingiu o pico de 5,4% em março de 2011, o governo chinês anunciou que sua principal prioridade política para o ano seria conter a inflação. E de fato o fez: de 2009 a 2011, a relação déficit orçamentário-PIB da China caiu de 2,8% para 1,1%, e o crédito novo diminuiu de CN¥ 9,6 trilhões para CN¥ 7,5 trilhões.
Mas a capacidade de produção associada aos investimentos passados já estava se formando, se não se tornando operacional. Consequentemente, à medida que o aperto fiscal e monetário reduziu a demanda agregada, um novo descompasso emergiu, e a capacidade excessiva aumentou em muitos setores, incluindo aço, automóveis, cimento, alumínio eletrolítico, pesticidas, fotovoltaicos e vidro.
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Com o benefício da retrospectiva, parece totalmente possível que as pressões inflacionárias diminuíssem mais tarde, mesmo que o governo não tivesse perseguido o aperto fiscal e monetário em 2011, devido à formação gradual de novas capacidades de produção. Se os formuladores de políticas tivessem perseguido uma expansão fiscal e monetária moderada enquanto incentivavam o mercado a desempenhar um papel decisivo na eliminação da capacidade excessiva setorial em 2012, a China poderia muito bem ter alcançado taxas de crescimento do PIB mais altas nos anos seguintes.
Não podemos mudar o passado, mas podemos aprender com suas lições para alcançar um futuro melhor. No caso da China, isso significa implementar uma política fiscal e monetária mais expansionista hoje. Isso ajudaria a reduzir a “capacidade excessiva” no nível macroeconômico, que é equivalente à “falta de demanda efetiva”, ao mesmo tempo em que criaria mais espaço para eliminar a capacidade excessiva no nível setorial – um processo no qual o governo chinês deve permitir que o mercado desempenhe um papel decisivo.
Tudo isso ajudaria muito a melhorar o balanço comercial da China. Embora não haja justificativa para que os países introduzam políticas comerciais protecionistas em nome da “segurança nacional” – como os Estados Unidos, por exemplo, têm feito –, a China deve garantir adesão a todas as regras da Organização Mundial do Comércio.
Nesse sentido, a Terceira Sessão Plenária do 20º Comitê Central do Partido Comunista da China, realizada no início deste mês, foi encorajadora. Conforme observado no comunicado da reunião, a China planeja “aumentar (sua) capacidade de abertura” de sua própria economia para o mundo exterior; fomentar “novos motores de comércio exterior”; e desenvolver, por meio da cooperação ampliada com outros países, “novas instituições” para apoiar uma economia global aberta. Desde que todas as partes estejam comprometidas com um engajamento mutuamente benéfico – e mutuamente respeitoso –, nenhuma disputa comercial é irredutível.
Tradução por Fabrício Calado Moreira
Yu Yongding, ex-presidente da Sociedade Chinesa de Economia Mundial e diretor do Instituto de Economia Mundial e Política da Academia Chinesa de Ciências Sociais, atuou no Comitê de Política Monetária do Banco Popular da China de 2004 a 2006.