mzhao11_ Kevin FrayerGetty Images_biden xi summit Kevin FrayerGetty Images

Reconstruindo a infraestrutura das relações sino-americanas

PEQUIM – O presidente dos EUA, Joe Biden, está se deliciando com o brilho de seu projeto bipartidário de infraestrutura de US$ 1,2 trilhão, que acabou de sancionar no dia 15 de novembro. Mas a cúpula virtual de Biden com o presidente chinês Xi Jinping no mesmo dia ressaltou a necessidade de ambos os líderes investirem parte de seu capital político na reconstrução da infraestrutura que sustenta o relacionamento bilateral cada vez mais frágil de seus países.

Durante a reunião, os dois presidentes expressaram o desejo de evitar uma nova guerra fria. Mas nenhuma reunião de cúpula levará as relações EUA-China de volta aos trilhos sem algum acordo fundamental entre os dois países.

Felizmente, ao contrário do governo do ex-presidente Donald Trump, Biden parece querer restaurar a normalidade ao relacionamento. Como disse o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, após a reunião, "a intensa competição" entre os dois países "requer intensa diplomacia".

Da mesma forma, a China está explorando novas abordagens em relação aos Estados Unidos. É verdade que os principais diplomatas chineses são muito mais assertivos hoje em dia com seus colegas americanos do que no passado, e o crescimento militar da China continua acelerado. Mas quando a cúpula começou, Xi sorriu ao cumprimentar Biden, chamando-o de “velho amigo”. Dado o tom implacável das reuniões anteriores dos EUA com líderes chineses de alto escalão durante a presidência de Biden, essa foi uma indicação clara de que Xi deseja mudar o tom do relacionamento

Ingenuidade à parte, China e Estados Unidos realmente fizeram progressos ultimamente, particularmente com uma declaração conjunta de trabalhar juntos na próxima década decisiva para evitar catastróficas mudanças climáticas. Esse movimento é um possível sinal inicial de uma abordagem compartimentada que seria favorável aos interesses de longo prazo de ambos os países.

Mas muitos analistas chineses temem que as profundas divisões políticas dos Estados Unidos possam ameaçar a sustentabilidade da cooperação EUA-China sobre mudanças climáticas e outras questões. Uma enquete realizada pela Universidade de Suffolk  publicada no jornal USA Today,  pouco antes da aprovação do projeto de infraestrutura descobriu que a taxa de aprovação de Biden tinha caído um pouco mais, chegando a 38%. A China está preocupada com a perspectiva de vitórias republicanas nas eleições de meio de mandato dos EUA de 2022 e na eleição presidencial de 2024, porque o contínuo comando de Trump sobre o partido oferece o risco de uma repetição das negociações diplomáticas que marcaram seu governo.

PS Events: Climate Week NYC 2024
image (24)

PS Events: Climate Week NYC 2024

Project Syndicate is returning to Climate Week NYC with an even more expansive program. Join us live on September 22 as we welcome speakers from around the world at our studio in Manhattan to address critical dimensions of the climate debate.

Register Now

Ao mesmo tempo, a China pensa que agora é o momento oportuno para garantir sua posição política e econômica no mundo. No outono de 2022, o Partido Comunista da China realizará seu 20º Congresso Nacional. Agora incontestados dentro do PCC, e com o "Pensamento de Xi Jinping" firmemente entrelaçado na vida pública chinesa, os objetivos de longo prazo de Xi – a " completa modernização socialista " da China até 2035 e um "grande e moderno país socialista que seja próspero, forte, democrático, culturalmente avançado e harmonioso” em 2049 –  foram esculpidos em pedra. Xi está determinado a evitar que as difíceis relações com os EUA interfiram nesses objetivos.

Assim sendo, de muitas maneiras, as relações EUA-China nos próximos anos podem ser reféns da política interna de ambos os países. As iminentes eleições de meio de mandato significam que o governo Biden provavelmente tomará outras duras medidas contra a China, que responderá de maneiras que não transpareçam fraqueza. Manter um diálogo produtivo entre Xi e Biden será, portanto, um desafio constante.

Durante a recente reunião, Biden disse que os EUA e a China devem estabelecer “grades de proteção de bom senso” para evitar que a concorrência se transforme em conflito. A China não respondeu positivamente, porque muitas autoridades chinesas suspeitam que o conceito é uma armadilha que encorajaria os EUA a agir de forma mais provocativa. Mas a relutância dos chineses em aceitar tais barreiras de segurança no relacionamento provavelmente semeará ainda mais desconfiança em Washington.

Em vez de rejeitar totalmente o conceito de grade de proteção, a China deveria entendê-lo como uma oportunidade de estabelecer alguns mecanismos ou regras para evitar colisões sino-americanas. Além disso, a janela de oportunidade para tal entendimento pode estar se fechando. Se a China e os EUA não puderem conduzir negociações sérias sobre o conceito nos próximos dois anos, pode-se ter certeza de que um hostil governo republicano que poderia assumir o cargo após as eleições de 2024 não iria erguer nenhuma.

Neste momento, a China pode tirar algumas lições de sua experiência anterior com o governo do presidente Barack Obama, quando se recusou a abraçar a ideia de um “G2” EUA-China. Com sua maior autoridade política, Xi poderia dar passos mais ousados ​​para construir o respeito recíproco entre as duas principais potências mundiais. Por exemplo, reconhecendo que a estabilidade estratégica é essencial, um tópico que ambos os lados têm interesse em abordar são as armas nucleares .

Mas a estabilidade das relações EUA-China agora depende de Taiwan. O governo Biden aparentemente acredita agora que a política da China em relação à ilha mudou fundamentalmente. Pouco antes da cúpula virtual entre Xi e Biden, o secretário de Estado Antony Blinken  disse que os EUA e seus aliados estariam preparados para “agir” se a China usasse de força contra Taiwan. No Congresso, há uma disposição bipartidária de abandonar a velha política de “ambiguidade estratégica” na questão de se os EUA defenderiam Taiwan em favor de uma garantia direta de segurança.

Durante sua reunião com Biden, Xi advertiu que apoiar a independência de Taiwan seria “brincar com fogo”, acrescentando que a China tomaria “medidas resolutas” se Taiwan parecesse estar se preparando para uma declaração de independência. Mas Xi também enviou um sinal tranquilizador, enfatizando que, “Temos paciência e lutaremos pela perspectiva de uma reunificação pacífica com a maior sinceridade e esforços”.

De sua parte, Biden prometeu aderir à política de uma só China que tem sustentado as relações dos Estados Unidos com Taiwan por mais de 40 anos, e não apoiar a independência taiwanesa. Mas os EUA pretendem fortalecer suas relações com Taiwan de forma abrangente e internacionalizar a questão de seu status.

Gerenciar a competição de longo prazo que se desenrola entre China e EUA certamente exigirá paciência, e uma única cúpula virtual – embora muito bem-vinda – não é suficiente para inspirar esperança por relações bilaterais mais estáveis. Estamos nos estágios iniciais do que provavelmente será a rivalidade geopolítica central do século 21. O máximo que se pode razoavelmente esperar é que ambos os lados construam a infraestrutura diplomática para administrar a acidentada estrada adiante.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

https://prosyn.org/Yo2PmLupt