mayaki7_EDUARDO SOTERASAFP via Getty Images_africanunion Eduardo Soteras/AFP via Getty Images

A União Africana deve preparar-se agora para ser membro do G20

JOANESBURGO – Com um coro crescente de vozes a apelar à admissão da União Africana no G20, esse cenário parece cada vez mais provável. Muitos dos membros mais proeminentes do grupo, incluindo os Estados Unidos, China, Japão, Alemanha e França, apoiaram a adesão plena da UA, que o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, propôs que se conceda na próxima cimeira do G20 em Nova Deli.

O presidente senegalês, Macky Sall, um defensor da causa durante o seu recente mandato na presidência da UA, salientou, e com razão, que a adesão já é necessária há muito tempo, dado o peso económico e demográfico do continente. Com a adesão plena, os líderes africanos podem ajudar a elaborar um sistema financeiro global mais justo e inclusivo e soluções multilaterais para desafios urgentes, como as alterações climáticas e as pandemias – para benefício de todos.

São ainda necessários esforços de sensibilização para garantir o lugar, mas não é demasiado cedo para a UA desenvolver uma estratégia de forma a colher os potenciais benefícios da adesão. Essa estratégia deve basear-se nos seguintes quatro pilares:

Primeiro, a UA tem de selecionar cuidadosamente os seus representantes no G20.  Embora o presidente em exercício possa ser a escolha óbvia para participar na cimeira dos líderes, tal seria desaconselhável nas atuais circunstâncias. A constante rotatividade (o presidente é eleito para um mandato de um ano), associada ao limitado apoio institucional atualmente disponível, dificultaria a contribuição eficaz da UA. Uma ideia que vale a pena explorar é escolher o presidente da Comissão da UA, que supervisiona as atividades quotidianas da União, ou um antigo chefe de Estado que represente a UA na cimeira de líderes num mandato de vários anos.

É óbvio que um líder forte da UA na cimeira do G20 não é uma panaceia. É igualmente importante uma representação adequada nas reuniões dos ministros, dos governadores dos bancos centrais e dos grupos de trabalho técnicos convocados pelo Finance Track e pelo Sherpa Track do G20. Deve ser dada especial atenção ao Finance Track, que tem desempenhado um papel central no desenvolvimento de iniciativas do G20 com implicações importantes para as economias africanas, incluindo a Iniciativa de Suspensão do Serviço da Dívida (DSSI), o Quadro Comum para o Tratamento da Dívida para além da DSSI e o Roteiro para as Finanças Sustentáveis.

Segundo, os representantes da UA só podem ser eficazes se os governantes africanos desenvolverem e avançarem com posições comuns sobre questões económicas globais. Embora a UA tenha tradicionalmente conseguido moldar os pontos de vista africanos sobre questões diplomáticas, as opiniões sobre política económica tendem a ser fragmentadas e são apresentadas apenas esporadicamente. Os líderes de alguns países africanos falam abertamente sobre estas questões, mas o continente terá de falar a uma só voz se quiser influenciar a tomada de decisões do G20. A perspetiva de uma plena adesão deverá dar um incentivo à UA para criar um processo de definição de posições económicas comuns que inclua todos os intervenientes nacionais relevantes.

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Terceiro, a UA precisará de uma agenda clara para reformar a arquitetura financeira mundial. Entre crises interligadas relacionadas com as alterações climáticas, a insegurança alimentar e energética, as emergências de saúde pública e os conflitos, o continente está a enfrentar défices financeiros significativos. O sistema financeiro internacional cobre atualmente apenas uma pequena parte das necessidades de desenvolvimento sustentável de África, estimadas em 1,3 biliões de dólares por ano, até 2030, e entre 2016 e 2019 o continente recebeu apenas 3% dos fluxos globais de financiamento climático. Esses fluxos para África equivalem atualmente a 30 mil milhões de dólares por ano, muito aquém dos 2,7 biliões de dólares necessários, até 2030, para implementar as suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC, sigla em inglês) ao abrigo do Acordo de Paris sobre o clima.

O ímpeto político para uma revisão do sistema está a crescer, mas juntar simplesmente apelos à reforma seria insuficiente. Para efetuar a mudança, a UA tem de ter um plano abrangente em torno do qual possa reunir os seus parceiros. Tendo em conta a dimensão de tal empreendimento, os líderes africanos deveriam contactar já as instituições e os peritos africanos relevantes para ajudar a formular uma proposta e organizar a sua implementação.

Quarto e último, a criação de coligações com outros membros do G20 será fundamental para a UA maximizar a sua influência no processo de elaboração de políticas do grupo.  Essas parcerias devem ser alargadas para além dos governos e da União Europeia, a todos os atores do G20 envolvidos no fórum, incluindo grupos de reflexão, académicos, grupos da sociedade civil, setor privado, sindicatos e organizações de jovens e mulheres.

A UA deve, também, colaborar com grupos e parceiros de desenvolvimento no continente e procurar obter os seus contributos e reações sobre a sua agenda do G20. As instituições pan-africanas, organizações multilaterais e outras entidades não governamentais podem oferecer um apoio valioso que não deve ser desperdiçado.

A adesão ao G20 permitirá à UA moldar uma agenda de desenvolvimento global que esteja melhor alinhada com a sua própria Agenda 2063 e mobilizar financiamento externo para a adaptação climática, a transição energética e o desenvolvimento de infraestruturas. Mas numa era de competição entre grandes potências, a UA não deve depender apenas da cooperação multilateral. Tem de reforçar os seus laços com os parceiros tradicionais, navegar na relação tensa entre os EUA e a China para otimizar os fluxos de financiamento do desenvolvimento e alavancar as suas relações económicas crescentes com os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), uma vez que o Brasil deverá assumir a presidência do G20 no próximo ano.

A UA e os seus estados-membros precisam urgentemente de se preparar para o lugar permanente no G20, que é cada vez mais provável que lhes seja oferecido.  Mas têm de lançar agora as bases necessárias para produzir os resultados políticos e de desenvolvimento esperados.

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