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Como a humanidade perdeu o controle

BERKELEY – Como pode sermos pelo menos 15 vezes mais ricos do que nossos predecessores pré-industriais da Era Agrária e, no entanto, tão infelizes? Uma explicação é que não estamos programados para isso: nada em nossa herança ou passado evolutivo nos preparou para lidar com uma sociedade com mais de 150 pessoas. Para operar nossas tecnologias cada vez mais complexas e promover nossa prosperidade, de algum modo devemos nos coordenar entre mais de oito bilhões de pessoas.

Assim, construímos máquinas sociais maciças que incluem economias de mercado, burocracias governamentais e corporativas, políticas nacionais e subnacionais, ideologias culturais e muito mais. No entanto, lutamos para calibrar essas instituições, simplesmente porque não as entendemos. Acabamos com uma rede global de leviatãs profundamente alienígenas que nos dão ordens e nos deixam infelizes, mesmo que nos tornem fabulosamente ricos em comparação às gerações anteriores.

O economista Dan Davies escreveu um maravilhoso livrinho sobre nossas criações problemáticas. Em The Unaccountability Machine: Why Big Systems Make Terrible Decisions – And How the World Lost Its Mind (“A⁠Máquina de Irresponsabilidade:⁠Por que Grandes Sistemas fazem Decisões Terríveis - e Como o Mundo Perdeu o Juízo”, em tradução livre do inglês), Davies tece um argumento a partir de cinco tópicos separados. A primeira é sua observação de que nosso mundo está repleto de ralos de responsabilidade: lugares onde as coisas estão claramente dando errado, mas onde não há ninguém para culpar. Em vez disso, a culpa é de todo o sistema, e o sistema não tem como ver ou corrigir o problema.

Em segundo lugar, Davies aponta que todo sistema social precisa não só perseguir sua missão, mas também se preservar. Isso geralmente significa que ele não pode se dedicar a uma métrica estreita. Em vez disso, cada sistema deve executar várias subtarefas, além de sua missão principal. Isso inclui fornecer recursos suficientes às pessoas que executam o trabalho; coordenar as coisas no aqui e agora; olhar do futuro do aqui e agora para o do “lá e então”; e manter o foco dos participantes humanos em para que serve a organização (sua filosofia orientadora). Davies dá o exemplo de uma banda cover de Elton John, em que essas tarefas são realizadas, aproximadamente, por “músicos, maestro, gerente de turnê, diretor artístico e Elton John”.

Em terceiro lugar, a delegação é crucial para reduzir as complexidades e manter a missão de uma organização gerenciável. Não é preciso observar a temperatura dentro da gaiola do esquilo minuto a minuto; só ajustar um termostato já basta.

Em quarto lugar, é importante construir ciclos robustos de feedback. Isso significa amplificar os sinais externos mais necessários de se ver e manter um poder de processamento interno suficiente para agir sobre eles antes que seja tarde demais.

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Por fim, a melhor maneira de reformar organizações para que não se tornem máquinas de irresponsabilidade é reviver a quasi-disciplina da cibernética gerencial do período pós-Segunda Guerra Mundial. Implementada pelos pioneiros Herbert Simon e Norbert Wiener, respectivamente cientistas político e da computação, a abordagem recebeu o nome da palavra grega kybernētikos: “bom em pilotar um barco”.

O guru que mais progrediu na cibernética da gestão de edifícios foi o consultor de gestão da era da contracultura Stafford Beer, cujo livro Brain of the Firm(“O ⁠Cérebro da Empresa”, em tradução livre do inglês) explorou como as burocracias podem ser reformadas para que o fluxo interno de informações entre decisores e decididos seja mantido em equilíbrio. Sem isso, um sistema não permanecerá viável e útil para a humanidade ao longo do tempo.

Comentando sobre The Unaccountability Machine no Financial Times, Felix Martin descreve a abordagem de Davies como “uma espécie de psicanálise para inteligências não-humanas, com Stafford Beer como Sigmund Freud”. Eu não conseguiria dizê-lo melhor. Nosso mundo social não está mais confinado às nossas famílias, aos nossos vizinhos, aos nossos colegas de trabalho e àqueles com quem interagimos diretamente por meio de redes de afeto, antipatia, permuta e troca, planejamento em pequena escala e torção de braços. Em vez disso, cada vez mais o que fazemos é impulsionado por uma montagem extremamente complexa de vastos mecanismos sociais e tecnológicos interligados que criamos, mas não entendemos.

Se o desafio da modernidade é descobrir uma maneira melhor de trabalhar e pensar juntos como uma comunidade global com mais de oito bilhões de pessoas, como podemos melhorar nossa compreensão e, assim, nosso controle? Infelizmente, Davies não nos responde muita coisa. Seu livro termina com uma ladainha padrão de escola de negócios. No entanto, ele merece crédito por definir a tarefa que enfrentamos e nos apontar um novo rumo intelectual.

Tradução por Fabrício Calado Moreira

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