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Harris é a candidata da liberdade

NOVA IORQUE – Kamala Harris tem feito da liberdade um tema central da sua campanha. Sob o título “Salvaguardar as nossas liberdades fundamentais”, o seu sítio Web explica que: “A luta da vice-presidente Harris pelo nosso futuro é também uma luta pela liberdade. Nestas eleições, estão em jogo muitas liberdades fundamentais: a liberdade de tomar as nossas próprias decisões sobre o nosso corpo sem a interferência do governo; a liberdade de amar quem amamos abertamente e com orgulho; e a liberdade que permite todas as outras: a liberdade de votar”.

Esta mensagem é bem-vinda. Está mais do que na altura de os progressistas americanos reclamarem a agenda da liberdade aos libertários e à direita, principalmente agora que a direita representa exatamente o oposto. Enquanto muitos da direita se ornamentam com a bandeira, os progressistas estão, efetivamente, a promover uma agenda de liberdade tipicamente americana.

Ver isto sob o prisma de um economista clarifica a questão. Em primeiro lugar, uma parte essencial da liberdade é a liberdade de fazer e de agir – de viver à altura do potencial de cada um. As pessoas que vivem em situação precária ou que quase passam fome não têm verdadeira liberdade; fazem o que têm de fazer para sobreviver.

Em segundo lugar, em qualquer sociedade de indivíduos interdependentes, a liberdade para alguns pode implicar a perda de liberdade para outros. Tal como o filósofo de Oxford Isaiah Berlin referiu: “A liberdade para os lobos significou muitas vezes a morte para as ovelhas”. A liberalização financeira das décadas de 1990 e 2000 – liberdade para os banqueiros – teria significado a morte da economia se o governo não tivesse intervindo; mas como essa intervenção exigiu milhares de milhões de dólares do dinheiro dos contribuintes, a crise, de qualquer modo, reduziu a liberdade dos contribuintes e de muitos trabalhadores e proprietários de casas.

Em terceiro lugar, um pouco de coerção pode aumentar significativamente a liberdade para todos. Quando trabalhamos em conjunto, podemos fazer coisas que não conseguimos fazer sozinhos; mas para evitar o problema do parasitismo, pode ser necessária alguma coação.

Em quarto lugar, embora a economia neoliberal tenha ampliado a liberdade das empresas para explorarem os outros, não conduziu a uma prosperidade global, e muito menos a uma prosperidade partilhada. A boa teoria económica já o tinha previsto mesmo antes de o neoliberalismo se ter tornado moda na era de Ronald Reagan e Margaret Thatcher. Além disso, o neoliberalismo nem sequer é sustentável, porque incentiva caraterísticas individuais e comportamentos de mercado que prejudicam o funcionamento da economia.

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As economias funcionam com base na confiança. Os vencedores do Prémio Nobel da Economia deste ano – Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson – salientaram a importância das instituições; mas mesmo instituições aparentemente boas não funcionam quando indivíduos egoístas, como Donald Trump, começam a violar descaradamente as normas e a demonstrar extrema desonestidade.

Em quinto lugar, ao contrário do que afirmam os conservadores e libertários como Milton Friedman e Friedrich Hayek, os mercados sem restrições não são necessários nem sequer conducentes à liberdade política. A ascensão do populismo autoritário tem sido mais pronunciada em países onde os governos fizeram muito pouco (para resolver a pobreza, a desigualdade, a insegurança, etc.), do que em países onde fizeram muito.

O contraste entre Harris e Trump no que respeita às liberdades fundamentais – como o direito de uma mulher a controlar o seu próprio corpo – é gritante. Em todas as grandes questões destas eleições, Harris irá ampliar as liberdades dos americanos e Trump irá restringi-las. No centro da agenda de Harris está o compromisso de ajudar os americanos comuns, em vez de voltar à desacreditada economia do gotejamento que Trump adotou durante a sua presidência. A sua proposta de redução de impostos para os multimilionários e as grandes empresas acrescentaria cerca de 7,5 biliões de dólares à dívida do país nos próximos anos e esse fardo tornaria os filhos e netos dos americanos menos livres.

Embora o pico de inflação mundial pós-pandemia pareça ter sido controlado, os americanos continuam preocupados, e com razão, com os preços dos medicamentos e da habitação. Harris propôs medidas para evitar a manipulação de preços, mas estas têm sido amplamente (e deliberadamente) mal interpretadas. Ela não está a defender que o governo federal fixe os preços, e muitos estados já têm leis contra a manipulação de preços para impedir que as empresas tirem partido de situações excecionais como furacões e inundações. Se há coisa que a pandemia mostrou, foi que essas políticas devem ser reforçadas e aplicadas.

Do mesmo modo, a Lei de Redução da Inflação (IRA, na sigla em inglês) continha disposições destinadas a fazer baixar os preços de produtos farmacêuticos como a insulina – um medicamento (centenário) indispensável para os diabéticos – de níveis, obviamente, exorbitantes. No entanto, os Estados Unidos poderiam fazer muito mais para baixar os preços dos medicamentos para níveis mais próximos dos registados na Europa, onde existem leis mais rigorosas contra os abusos de poder de mercado. Harris procurará fazer exatamente isso, ao passo que Trump prometeu desmantelar a IRA, aumentando assim os preços para os americanos.

Trump promete também aumentar as tarifas – para uma taxa de 100% sobre os produtos provenientes da China – o que irá simplesmente aumentar os preços do vestuário, dos eletrodomésticos e de muitos outros bens que os americanos comuns compram. Na verdade, toda a sua agenda económica equivale a um enorme imposto regressivo sobre os americanos de rendimentos médios e baixos. A sua liberdade como consumidores será reduzida, porque terão menos para gastar como quiserem.

Além disso, enquanto Harris lançou um plano abrangente para aumentar a oferta de habitação e reduzir o seu custo – e para aumentar a acessibilidade dos compradores de casas pela primeira vez – Trump mantém-se em silêncio sobre esta questão crucial.

Por último, para apoiar a liberdade dos americanos de viverem de acordo com o seu potencial, a agenda de Harris inclui uma visão e algumas medidas concretas iniciais para alargar as oportunidades, especialmente o espírito empresarial. Essas medidas são positivas tanto para quem pretende iniciar um negócio como para a economia em geral.

Trump é um testemunho vivo do repúdio da direita pela liberdade. Felizmente, Harris está a mostrar o que acontece quando os progressistas abraçam e promovem este valor americano fundamental.

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