spence164_Thierry MonasseGetty Images_eu integration Thierry Monasse/Getty Images

A Europa na Era da Política Industrial

MILÃO – A União Europeia, assim como grande parte do resto do mundo, enfrenta fortes e contrários ventos econômicos Mas enquanto outras grandes economias, como China e Estados Unidos, estão bem posicionadas na utilização de políticas industriais para ajudar a encarar os desafios que enfrentam, a UE tem diante de si importantes obstáculos estruturais nessa frente.

Na situação atual, o crescimento econômico da UE é lento e está em desaceleração, com algumas economias do bloco registrando resultados piores do que outras. Não ajuda o fato de os motores do crescimento das exportações estarem falhando em parte devido ao aumento da concorrência da China, que avança rapidamente para os principais setores industriais, como os veículos elétricos.

Além disso, embora o compromisso da Europa em liderar o mundo nas ações climáticas e na transição para as energias limpas possa eventualmente resultar em vantagem competitiva,  isso agora age como um impedimento econômico – e continuará a fazê-lo a médio prazo – até porque os setores industriais intensivos em carbono dominam as exportações. A guerra na Ucrânia exacerbou esse problema, não só aumentando os custos da energia, como também, e ainda mais, forçando a UE a se diversificar rapidamente, afastando-se dos combustíveis fósseis russos – um processo muito dispendioso. Como resultado, os preços do carbono na Europa são significativamente mais elevados do que em outras regiões.

Contudo, outro problema está nos setores tecnológicos da Europa, que estão subdesenvolvidos em relação aos dos EUA e da China. As mega plataformas, a computação em nuvem, a supercomputação e o desenvolvimento de inteligência artificial avançada estão em grande parte ausentes do panorama econômico e tecnológico europeu. As consequências são de longo alcance: estes são setores de elevado crescimento e importantes motores da mudança estrutural e dos ganhos de produtividade dos quais depende o bem-estar de uma economia a longo prazo.

Para progredir na tecnologia, a escala é importante. Por exemplo, é necessária uma enorme quantidade de poder computacional para treinar os modelos mais avançados de IA generativa. Embora seja possível que os avanços na tecnologia de IA reduzam os requisitos nessa área, a  ideia de que o limitado poder computacional não prejudicaria o progresso é uma má aposta. Em  qualquer caso, as mega plataformas são atualmente as únicas entidades com o poder computacional necessário (com a possível exceção do governo federal dos EUA).

E é o governo federal dos EUA – e não os estados dos EUA – que domina o investimento em ciência e tecnologia. Isto é particularmente notável se considerarmos que a economia da Califórnia, que totalizou US3.6 trilhões em 2022, é maior do que todas as economias nacionais da UE, exceto a da Alemanha (no valor de cerca de US$ 4 trilhões). Nenhum estado dos EUA, nem mesmo a Califórnia, poderia arcar com CHIPS e o Science Actde 2022, que apoia a pesquisa, o desenvolvimento, a fabricação e o desenvolvimento da força de trabalho de semicondutores.

Secure your copy of PS Quarterly: The Climate Crucible
PS_Quarterly_Q3-24_1333x1000_No-Text

Secure your copy of PS Quarterly: The Climate Crucible

The newest issue of our magazine, PS Quarterly: The Climate Crucible, is here. To gain digital access to all of the magazine’s content, and receive your print copy, subscribe to PS Premium now.

Subscribe Now

O governo dos EUA reconhece que, num sistema federal, a descentralização é uma receita para o subinvestimento. Também conduz à ineficiência, uma vez que o investimento em nível estadual visa inevitavelmente os atores locais, enquanto o investimento federal é distribuído com base no mérito competitivo na economia em geral. No contexto atual, onde qualquer coisa que não seja uma transformação estrutural em grande escala implica uma relativa estagnação, os custos da  descentralização são particularmente elevados. Isto é verdade não apenas para a tecnologia, mas também para a segurança e defesa nacionais.

É aqui que reside o problema da Europa. Enquanto a China e os EUA aproveitam a escala para buscar políticas industriais que incluam investimentos em grande escala em setores críticos, a UE luta para seguir o exemplo, devido às suas descentralizadas políticas fiscais e às regras que limitam os subsídios governamentais à indústria.

O Mecanismo de Recuperação e Resiliência (RRF) de 2021 da UE – um programa de €723 bilhões (US$ 769 bilhões) que visa mitigar os piores efeitos da pandemia da COVID-19 e promover a mudança estrutural, o crescimento e a estabilidade na era digital – foi um passo à  frente na direção certa. Mas apresentava graves falhas.

Imaginemos se, nos EUA, todos os investimentos ao abrigo da Lei CHIPS e da Ciência e da (título enganoso) Lei de Redução da Inflação fossem distribuídos aos estados em proporção ao seu tamanho, para serem implementados de acordo com propostas pré-aprovadas, que todos os 50 estados tinham sido obrigados a apresentar antes de qualquer financiamento ser desembolsado. Isto seria claramente ineficiente, mas é basicamente a abordagem adotada pelo RRF.

A questão não é criticar o RRF, que foi estabelecido como resposta a um imediato conjunto de desafios comuns e provou ser muito mais construtivo do que a resposta fiscal à crise financeira  global de 2008 e à crise da dívida europeia que se seguiu. Trata-se antes de realçar os constrangimentos associados ao investimento público europeu a longo prazo.

Hoje se faz necessário, com urgência, um novo programa de investimento europeu; mas, ao contrário do RFF, não pode ser limitado nem temporário. Se a Europa quiser alcançar crescimento e dinamismo no século 21, os investimentos federais precisam ser expandidos e tornados permanentes. Deveriam ser financiados através da emissão de dívida soberana da UE e administrados centralmente.

Em recente comentário, o ex-Presidente do Banco Central Europeu e ex-Primeiro Ministro da Itália, Mario Draghi, argumenta que as perspectivas de união fiscal na Europa estão melhores, porque “a natureza da integração fiscal necessária” mudou consideravelmente desde a criação do euro. Em vez da “estabilização” fiscal federal, a Europa precisa mobilizar “vastos investimentos” – na defesa, na transição verde e na digitalização – num “curto período de tempo”. Embora isso não exija a centralização fiscal total – de qualquer forma, nenhuma estrutura federal conseguiria esse objetivo – significa que a Europa precisa encontrar uma forma de federalizar o investimento crítico em bens públicos que produzam benefícios compartilhados.

Isto aumentaria grandemente a competitividade e o dinamismo das economias europeias, permitindo-lhes evitar a prolongada estagnação. Mais concretamente, ajudaria a garantir que as  pessoas talentosas da UE – especialmente os jovens – tenham as oportunidades que necessitam para atingir seu potencial.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche, Brazil

https://prosyn.org/tj6XcMtpt