singer231_Michael M. SantiagoGetty Images_college protests Michael M. Santiago/Getty Images

Quando é que criticar Israel é antissemita?

MELBOURNE – No mês passado, o primeiro-ministro israelita, Binyamin Netanyahu, condenou os protestos nos campi universitários dos EUA contra os ataques do seu país a Gaza, dizendo que eram “uma reminiscência do que aconteceu nas universidades alemãs nos anos 30”. Aparentemente, estava a comparar os manifestantes com os grupos de estudantes nazis que espancavam estudantes e professores judeus.

Essa comparação dilui o horror do nazismo ao ignorar a dimensão da violência que os estudantes nazis infligiam a qualquer pessoa que fosse judia e o seu objetivo declaradamente racista de purgar as universidades de todos os estudantes e professores judeus. Alcançaram esse objetivo depois de os nazis terem chegado ao poder e podemos agora ver que foi um passo em direção ao seu objetivo final: um mundo sem judeus.

Sei como era o antissemitismo nazi na década de 1930. Os meus pais, judeus vienenses, tornaram-se refugiados. Os meus avós não conseguiram fugir a tempo e três deles foram assassinados no Holocausto. Quando eu era criança, o meu pai levantava-se cedo ao domingo de manhã e ia buscar fotos da sua família alargada, chorando a perda, não só dos pais, mas também de tias, tios e primos.

A história da minha família levou-me, quando era estudante universitário, a estudar a ascensão do fascismo e do antissemitismo na Europa na década de 1930. Li algumas das fontes primárias, como o jornal virulentamente antissemita Der Stürmer (The Stormtrooper) e, apesar de ter acabado por estudar filosofia em vez de história, o ódio visceral aos judeus que transparecia nesses escritos deixou uma marca indelével em mim.

Não há dúvida de que alguns antissemitas usaram os protestos estudantis de hoje como cobertura para incitar o ódio a qualquer judeu, independentemente das suas opiniões sobre o que está a acontecer em Gaza. Mas caraterizar os protestos em geral como comparáveis ao antissemitismo nazi é grotesco.

Netanyahu faz parte de uma longa lista de defensores de Israel que procuram rotular os seus críticos como antissemitas. Agora, a Câmara dos Representantes dos EUA – talvez de forma involuntária – deu o seu apoio ao esbatimento da distinção crucial entre antissemitismo e oposição a Israel. Com 320 votos a favor e 91 contra, a Câmara aprovou uma resolução que combina uma condenação do antissemitismo com a estipulação de que o Departamento de Educação dos EUA deve utilizar a definição de antissemitismo desenvolvida pela Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA, na sigla em inglês).

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A forma como a IHRA inicia a definição de antissemitismo é simples e irrepreensível: “O antissemitismo é uma certa perceção dos judeus, que pode ser expressa como ódio contra os judeus”. O problema é que esta definição é seguida de exemplos de antissemitismo, um dos quais é: “Negar ao povo judeu o seu direito à autodeterminação, por exemplo, alegando que a existência de um Estado de Israel é uma iniciativa racista”.

Em 1896, quando Theodor Herzl publicou “O Estado Judeu”, um panfleto que é amplamente considerado como o texto fundador do sionismo, não havia muitos judeus a viver no território que hoje é Israel. Em todo o lado, os judeus sentiam uma ligação histórica a Israel da Bíblia hebraica e, todos os anos, na Páscoa, diziam: “No próximo ano, em Jerusalém.” Mas isso era um ritual, não a expressão de um desejo de se mudarem para lá. Para os meus pais, nos anos que antecederam a chegada dos nazis ao poder, a ideia de deixar a Viena fervilhante, sofisticada e multicultural para a Palestina era risível.

O movimento sionista inicial popularizou o slogan: “Uma terra sem povo para um povo sem terra”. Era verdade que, nessa altura, os judeus eram uma minoria em todo o lado, pelo que não havia nenhuma terra, ou país, que fosse predominantemente judaico. Mas era, também, obviamente falso que a Palestina não tivesse povo.

Se afirmamos que os judeus, ou os ciganos, ou qualquer outro povo que seja, em todo o lado, uma minoria, têm direito à autodeterminação, devemos certamente reconhecer que esse direito tem de ser limitado pelos direitos dos outros para determinar o tipo de Estado que governará a terra em que vivem. Para os grupos que são minoria em todo o lado, isso pode significar que não existe nenhum país onde possam exercer um direito nacional ou coletivo à autodeterminação.

E a afirmação de que a existência do Estado de Israel é uma iniciativa racista? A Lei do Retorno de Israel dá-me o direito de me tornar um cidadão de Israel, apesar de ser ateu, de nunca ter observado as leis religiosas judaicas, de nunca ter aprendido hebraico ou de nunca ter tido um bar mitzvah. Mas o facto de a minha avó materna ser judia é suficiente para que eu tenha o direito de “retornar” a Israel. Isto parece-me desconfortavelmente próximo de um critério racista para decidir quem tem o direito de se tornar cidadão de Israel.

Em 2010, como parte de um grupo de judeus australianos, renunciei publicamente ao meu direito de regressar. Fizemo-lo porque não acreditamos que devamos ter esse direito quando os palestinianos que podem documentar que os seus antepassados tinham casas no território que é agora Israel, e pelo menos alguns dos quais foram expulsos por ações militares ou paramilitares judaicas hostis, não o têm.

Apesar das minhas objeções à definição da IHRA, reconheço que esta inclui, a seu favor, a importante afirmação de que “críticas a Israel semelhantes às feitas a qualquer outro país não podem ser consideradas antissemitas”. Isso é suficiente para mostrar que Netanyahu está errado ao descrever o que está a acontecer nos campi universitários dos EUA como antissemitismo.

Qualquer país que submetesse uma população civil ao bombardeamento generalizado que Israel lançou contra Gaza seria alvo de fortes críticas, mesmo que estivesse a reagir a ataques horríveis como os cometidos pelo Hamas no dia 7 de outubro de 2023. É por isso que os protestos de hoje, no seu conjunto, não podem ser considerados antissemitas.

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