skowalski1_FLORENT VERGNESAFP via Getty Images_centralafricamaternitywomenchildren Florent Vergnes/AFP via Getty Images

A saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia

NOVA IORQUE – A crise provocada pela COVID-19 afetou quase todos os aspetos da vida, mas não o sexo. Tanto a intimidade desejada como a indesejada ocorrem durante uma pandemia. Com a mobilidade reduzida e menos acesso a clínicas e hospitais, garantir qualidade e atenção atempada à saúde reprodutiva é mais importante do que nunca.

O vírus revelou grandes desigualdades na medicina – e não apenas nos cuidados de emergência. Mesmo antes da COVID-19, os adolescentes, os migrantes, as minorias, as pessoas com deficiência e as pessoas LGBTQI+ sofriam discriminação nas salas de espera dos médicos. A crise é uma oportunidade para os governantes apoiarem iniciativas que deem às mulheres e às raparigas mais poder sobre as suas necessidades imediatas e melhorem o acesso a serviços essenciais a longo prazo.

A primeira prioridade é disponibilizar contracetivos orais de venda livre. Isto aumentará a segurança, o acesso e o uso. Na maioria dos lugares, é necessária uma receita médica, o que impede que as mulheres tenham total controlo dos seus corpos. Também pode interferir no acesso do paciente aos cuidados de saúde, sem abusos ou violações de privacidade. Isto é particularmente verdade para adolescentes, pessoas que não se identificam com o género atribuído quando nasceram, vítimas de violência doméstica e outros indivíduos que receiam sofrer discriminação ou desrespeito em contextos clínicos.

Os benefícios de um acesso mais amplo aos contracetivos superam largamente os poucos riscos. Há indícios que mostram que as mulheres e as pessoas que não se identificam com o género atribuído quando nasceram podem fazer uma triagem das contra-indicações usando simples listas de controlo que acompanham a medicação. Permitir que as pessoas tenham um fornecimento anual, para que possam autoadministrar injetáveis ​​como o Depo-Provera, beneficiaria todos aqueles que vivem situações violentas e outros que podem ter dificuldade para aceder aos cuidados de saúde. A eliminação de requisitos de autorização de terceiros e a redução de custos nos contracetivos também ajudariam.

Segundo, temos de tornar o aborto mais acessível. As políticas regressivas e os recentes confinamentos tornaram menos disponíveis os abortos nas clínicas, mesmo que seja um procedimento médico indispensável. Os governantes podem e devem tomar medidas simples para eliminar obstáculos desnecessários ao aborto medicamentoso, o que aumentaria a liberdade das mulheres e reduziria as consultas clínicas.

Os abortos medicamentosos são seguros e eficazes. Todos os anos, milhões de mulheres interrompem a gravidez sozinhas, usando uma combinação de mifepristone e misoprostol ou apenas misoprostol. Não há necessidade de uma ida ao consultório. As pessoas que queiram fazer um aborto podem avaliar se são elegíveis, seguir instruções sobre dosagens corretas e determinar se o aborto é bem-sucedido. Tudo o que elas precisam é de informações precisas, medicamentos e acesso a cuidados de saúde auxiliares, caso seja necessário.

Subscribe to PS Digital
PS_Digital_1333x1000_Intro-Offer1

Subscribe to PS Digital

Access every new PS commentary, our entire On Point suite of subscriber-exclusive content – including Longer Reads, Insider Interviews, Big Picture/Big Question, and Say More – and the full PS archive.

Subscribe Now

A melhor maneira de aumentar o acesso ao aborto é disponibilizar o mifepristone e o misoprostol com venda livre. No mínimo, os governantes deveriam facilitar a sua obtenção através da telemedicina. Isto é viável e seguro, desde que as consumidoras sejam informadas sobre o que esperar e possam receber cuidados pós-aborto sem julgamento, estigma ou medo de serem sujeitas a ações judiciais. As pessoas que autogerem os seus abortos não deveriam ser assediadas ou penalizadas.

Os cuidados maternos de qualidade também são essenciais para as mulheres na era do coronavírus. As grávidas enfrentam o mesmo stress que as outras pessoas enfrentam durante uma pandemia. Elas enfrentam uma possível insegurança no trabalho, perda de rendimentos, alterações na cobertura da saúde e ameaças à sua própria saúde. E há preocupações únicas sobre a saúde dos seus fetos e recém-nascidos.

Em muitos lugares, os sistemas de saúde sobrecarregados não fornecem às grávidas o nível de assistência materna que elas esperavam – e recebiam – antes da pandemia. Para resolver essa lacuna, os profissionais deveriam ajudar as grávidas a exercer autocuidados acrescidos, fornecendo as ferramentas e informações corretas, como telemedicina, educação online, visitas de parteiras e de outros profissionais ao domicílio, apoio psicossocial e rastreios suficientes.

Estas medidas garantirão que as grávidas possam monitorizar melhor a sua própria saúde, gerir sintomas comuns, identificar sinais de complicações e saber quando procurar assistência. E quando procuram, devem poder viajar até às unidades de saúde, mesmo onde os confinamentos estejam impostos. Isto significa garantir transportes de emergência e equipamentos de proteção individual para as grávidas e para quem as acompanha.

Além disso, os governantes deveriam alargar iniciativas que “desmedicalizam” o nascimento. Partos em casa assistidos para gravidezes de baixo risco, presença garantida de parteiras, instalações especializadas em partos com acesso a cuidados terciários e visitas ao domicílio para atendimento pré-natal ajudam a garantir partos mais seguros para as mães e para os profissionais de saúde. Muitos países enfatizaram os cuidados institucionais, embora a desmedicalização do parto seja benéfica no melhor dos tempos e não apenas numa crise.

Temos de evitar a promulgação de medidas irrefletidas. Seria regressivo restringir ou proibir a presença de parceiros ou doulas no trabalho de parto, separar bebés de mães que têm, ou suspeita-se que tenham, a COVID-19 ou interferir no contacto precoce com a pele, incluindo a amamentação. A Organização Mundial da Saúde incitou os prestadores de cuidados de saúde a evitarem essas medidas enquanto cuidam das grávidas, dos pais e dos bebés. Isto é crucial para evitar um aumento da violência obstétrica ou desfechos piores para as mulheres e os seus recém-nascidos.

Os governos que não eliminam as barreiras aos cuidados arriscam sistemas de saúde fraturados que não podem atender às necessidades de todos. A longo prazo, os investimentos em autoempoderamento fortalecerão os sistemas de saúde e a qualidade dos cuidados. Com educação e apoio, as pessoas podem gerir as suas necessidades de saúde sexual e reprodutiva. Os governantes precisam de lhes dar o poder e as ferramentas para fazê-lo.

https://prosyn.org/IhTJKwWpt